A arte não é um luxo
por Salman Rushdie
"(...) A mais importante dessas coisas é que a arte desafia a ortodoxia. Rejeitar ou denegrir a arte pelo facto de ela o fazer é não compreender a sua natureza. A arte coloca a apaixonada visão pessoal do artista em contraponto com as ideias aceites do seu tempo. A arte sabe que as ideias aceites são inimigas da arte , como nos disse Flaubert em Bouvard et Pécuchet. Os clichés são ideias aceites , e também as ideologias o são, tanto aquelas que dependem da sanção dos invisíveis deuses do céu como as que não. Sem a arte , a nossa capacidade de pensar, de ver com frescura e de renovar o nosso mundo estiolaria e morreria.
A arte não é um luxo. Está na essência da nossa humanidade e não requer protecção especial a não ser o direito de existir.
Aceita a discussão , a crítica até a rejeição. Não aceita a violência.
E, no fim, sobrevive àqueles que a oprimem. O poeta Ovídio foi exilado por César Augusto , mas a poesia de Ovídio sobreviveu ao Império Romano. A vida do poeta Mandelstam foi destroçada por Estaline, mas a sua poesia sobreviveu à União Soviética. O poeta Lorca foi assassinado pelos rufiões do general Franco, mas a sua arte sobreviveu ao fascínio da Falange."
Salman Rushdie, in Faca, Publicações Dom Quixote, Maio de 2024, p 219
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