como uma espada no ar
e tão grande agora e ainda
mais bela
eu canto e a defendo
como minha vida.(...)
¡Ay, amor!, dulce
veneno,
ay, tema de mi delirio,
solicitado martirio
y de todos males lleno.
¡Ay, amor! lleno de
insultos,
centro de angustias mortales,
donde los bienes son males
y los placeres tumultos.
¡Ay, amor! ladrón casero
de la quietud más estable
¡Ay, amor, falso y mudable!
¡Ay, que por causa
muero!
¡Ay, amor! glorioso
infierno
y de infernales injurias,
león de celosas furias,
disfrazado de cordero.
¡Ay, amor!, pero ¿qué
digo,
que conociendo quién
eres,
abandonando placeres.
soy yo quien a ti te sigo? 1
José Carlos Mariátegui,
em seus Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, ao analisar
a poesia de Melgar ressalta inicialmente o “extremo centralismo” com que Lima
dominou a literatura colonial, tida como um “produto urbano”, e acrescenta:
[...] Por culpa dessa hegemonia absoluta de Lima, nossa literatura não pode se nutrir da seiva indígena. Lima foi primeiro a capital espanhola. Só foi a capital criolla depois. E sua literatura teve essa marca. O sentimento indígena não careceu totalmente de expressão nesse período de nossa história literária. Quem primeiro o expressou com categoria foi Mariano Melgar. [...].2
É esclarecedor colocar
aqui o exemplo da poesia de Melgar, para avaliar, em dado momento histórico, os
dois lados com que a crítica peruana encara a sua própria literatura: uma do
ponto de vista colonialista e culturalmente preconceituosa e outra do ponto de
vista legitimamente peruano, ou seja, indigenista, explicitados por duas
figuras tão emblemáticas na história da intelectualidade peruana, como
Mariátegui e o historiador José de la Riva Agüero (1885-1944), com opiniões
tão diversas sobre a imagem literária de Melgar:
Para Riva Agüero, o
poeta dos yaravíes não passa de “um momento curioso da literatura peruana”.
Retifiquemos esse julgamento, dizendo que é o primeiro peruano dessa
literatura.8
Comenta Mariátegui o desdém com que a crítica limenha tratou a poesia popular e indigenista de Melgar, num arraigado preconceito colonial que, um século depois, atingiria ainda, com o punhal da indiferença, o coração poético e indígena de Cesar Vallejo, a ponto de azê-lo abandonar o Peru para nunca mais voltar. Vallejo é hoje reconhecido como o maior poeta do Peru e, como poeta universal, divide com Pablo Neruda a grandeza da poesia hispano-americana. Mariano Melgar teve sua imagem poética e como prócer da Independência, reconhecida oficialmente pelo governo peruano, somente em junho de 1964. Apenas nos dois casos aqui citados essa é uma justa, necessária e tardia penitência, mas perguntamos se a cultura limenha já limpou a alma desse antigo pecado, porque continua, até os dias de hoje, ditando suas sentenças culturais no exercício de sua explícita hegemonia intelectual, em detrimento dos valores literários das províncias.
Mariátegui é o que melhor dá a dimensão do poeta de Arequipa, seja como mártir da independência, seja pela potencialidade de sua poesia, caso não houvesse morrido tão cedo. Abordando o lado romântico de Melgar, ressalta o grande despojamento do jovem poeta pela causa da Independência, comparando-o ao cacique cusquenho Mateo Pumacahua, que em 1815 tornou-se um dos líderes da revolta contra os espanhóis, sendo preso e fuzilado pelas tropas coloniais.
Melgar é um romântico. Não apenas em sua arte, mas também em toda sua vida. O romantismo ainda não tinha oficialmente chegado a nossas letras. Em Melgar, portanto, não é, como será mais tarde em outros, um gesto de imitação, é um impulso espontâneo. E esse é o dado de sua sensibilidade artística. Já se disse que se deve a sua morte heroica uma parte de seu renome literário. Mas essa valorização dissimula mal a desdenhosa antipatia que a inspira. A morte criou o herói, frustou o artista. Melgar morreu muito jovem. E mesmo que seja sempre um pouco aventureira qualquer hipótese sobre a trajetória provável de um artista prematuramente surpreendido pela morte, não é demais supor que Melgar, maduro, teria produzido uma parte mais purgada da retórica e do maneirismo clássicos e, por conseguinte, mais nativo, mais puro. [...]Os que se queixam da vulgaridade de seu léxico e de suas imagens partem de um preconceito aristocrático e academicista. O artista que escreve um poema de emoção perdurável na linguagem do povo vale, em todas as literaturas, mil vezes mais que aquele que, em linguagem acadêmica, escreve uma depurada peça de antologia. Por outro lado, como observa Carlos Octavio Bunge em um estudo sobre a literatura argentina, a poesia popular sempre precedeu a poesia artística. Alguns dos yaravíes de Melgar só vivem como fragmentos de poesia popular. Mas, com esse título, adquiriram substância imortal.
Não é diferente a
opinião do crítico italiano Giuseppe Bellini, tido como o mais abalizado
estudioso europeu da literatura hispano-americana. Comentando a poesia
gauchesca do poeta da independência uruguaia Bartolomé José Hidalgo
(1788-1822), Bellini anota que:
Junto con Hidalgo
cabe recordar a Mariano Melgar (1791-1815), cultivador también de la poesía
popular en los “yaravíes” y “palomitas”. El poeta peruano, sin duda más culto
que Hidalgo, traductor e imitador de Horacio y de Virgilio, manifestó, tal vez
por su carácter de mestizo, un profundo apego al elemento popular quechua y a
la naturaleza, antecipando un indigenismo que dará resultados consistentes
durante el Romanticismo y en el siglo XX.3
Mariano Melgar
une-se às tropas do cacique Mateo Pumacahua, que no passado fora aliado dos
espanhóis, mas que a partir de 1814 empunhou a bandeira da independência em
Cusco. Vencidos na batalha de Umachiri, o poeta é aprisionado e mantido em
cativeito até o amanhecer do dia 12 de março de 1815, quando é executado. Ante
o pelotão de fuzilamento, Melgar escreveu um bilhete aos oficiais espanhóis,
com as seguintes palavras:
Cubram seus olhos, já que vocês são os que necessitarão misericórdia porque a América será livre em menos de dez anos!
E assim aconteceu. Em 9 de
dezembro de 1824, um exército de 6.879 patriotas de vários países hispano-americanos,
sob o comando do general venezuelano Antonio José Sucre, vence o exército
espanhol de 10.000 soldados, selando em Ayacucho a independência do Peru e da
América do Sul.
2- MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade
3- BELLINI, Giuseppe. Nova historia de la literatura hispano-americana. Madrid: Editorial Castalia, 1997, p. 209.
“Junto com Hidalgo cabe recordar a Mariano Melgar (1791-1815), cultivador também da poesia popular nos “yaravíes” y “palomitas”. O poeta peruano, sem dúvida mais culto que Hidalgo, tradutor e imitador de Horácio e de Virgílio, manifestou, talvez por seu caráter mestiço, um profundo apego ao elemento popular quechua e à natureza, antecipando um indigenismo que dará resultados consistentes durante o Romantismo e no século XX.”
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