Inti
Peredo: 40 anos da morte de um bravo1
por
Manoel de Andrade
"Após
quatro meses no Chile, cheguei em La Paz em 2 de setembro de 1969. Trazia uma
referência de Santiago para contato com um membro do Exército de Liberação
Nacional da Bolívia (ELNB), onde pretendia ingressar.
Ambientava-me
ainda na cidade, quando ao fim daquela primeira semana o país foi sacudido por
uma trágica notícia: o guerrilheiro Inti Peredo, comandante do ELNB fora morto
por forças combinadas da Polícia e do Exército, num bairro central de La Paz.
Lugar-tenente
de Che Guevara na guerrilha boliviana, sobrevivente do trágico combate na
Quebrada do Yuro em outubro de 1967, estrategista da audaciosa retirada pela
fronteira com o Chile, onde o esperava o senador Salvador Allende e
reorganizador da luta armada na Bolívia depois da morte do Che, o guerrilheiro
Inti Peredo – cujo nome, Inti, na língua quéchua significa “sol” –, morreu
assassinado aos 32 anos, no dia 9 de setembro de 1969.
Nascido
em 30 de abril de 1937, em Cochabamba, Alvaro Inti Peredo Leigue era filho do
escritor boliviano Rômulo Peredo. Aos 13 anos já militava no Partido Comunista
Boliviano, seguindo muito jovem para estudar na escola do Partido no Chile e
dali para Moscou, em 1962 para um curso político. No ano seguinte, já de volta,
desloca-se para o norte da Argentina, dando apoio ao Exército Guerrilheiro do
Povo, dirigido pelo jornalista Jorge Ricardo Masetti, na região de Salta.
Posteriormente, colabora com a guerrilha peruana e em 1966 faz treinamento
militar em Cuba. Volta à Bolívia em 1967, rompe com Mario Monje, secretário
geral do Partido Comunista Boliviano e adere à guerrilha comandada por Che
Guevara.
Sobrevivente
de Ñacahuazu, escapa pela fronteira do Chile, volta a Cuba e em maio de 1969
retorna clandestinamente à Bolívia para reorganizar a guerrilha. Dois meses depois,
lança sua mensagem “Voltaremos às montanhas”, que comoveu o opinião pública do
país e deu início a sua brutal perseguição por parte do governo. Delatado seu
esconderijo em La Paz, a casa foi cercada e sozinho resistiu por uma hora ao
ataque de 150 policiais e militares, até que uma granada lançada por uma janela
o feriu gravemente. Arrombada a porta, finalmente foi preso, sem jamais ter se
rendido.
Inti
Peredo foi selvagemente torturado pelo seu heroico silêncio e barbaramente
assassinado a cuteladas de fuzil pelo sanguinário coronel Roberto Toto
Quintanilla, o mesmo que mandou cortar as mãos do cadáver do Che, em La
Higuera. Diante de sua morte, meus planos foram totalmente frustrados.
Convidado, naqueles dias para participar do Segundo Congresso Nacional de
Poetas, a realizar-se em Cochabamba, entre 22 e 27 de setembro, transformei
minha frustração e minha revolta em versos escrevendo um poema em homenagem a
Inti Peredo, para dizê-lo, correndo todos os riscos, em pleno Congresso. Foi
meu primeiro poema escrito em espanhol e no dia 25, ao encerrar minha
apresentação ante o grande auditório do Palácio da Cultura, declamei o poema:
“El guerrilleiro”, explicitando meu tributo poético ao grande combatente
assassinado há duas semanas em La Paz.
A
Bolívia, naqueles dias, respirava uma pesada atmosfera de golpe e em 26 de
setembro cai o presidente democrata Luis Adolfo Siles Salinas e toma o poder e
general Alfredo Ovando Candia, responsável pelo grande massacre de mineiros, em
junho de 1967, conhecido como La Noche de San Juan. No dia seguinte fui detido,
interrogado e posteriormente liberado, por intervenção dos organizadores do
Congresso, com a condição que deixasse o país em 48 horas.
Neste
9 de setembro de 2009, solidário com a memória das lutas da América Latina e
comemorando o aniversário de morte de Inti Peredo, publico aqui o poema “O
guerrilheiro”, traduzido para o português, escrito exatamente há quarenta anos,
em Cochabamba, como meu lírico tributo a um dos maiores revolucionários do
continente.
O
guerrilheiro
Em memória de
Inti Peredo
O
guerrilheiro, senhores
é
um sonho armado que marcha
numa
pátria injustiçada.
Sabe
que quem tem a terra
não
a reparte sem guerra...
e
nesse áspero caminho
é
um pássaro sem ninho
migrando
para o amanhã.
O
guerrilheiro, senhores,
é
uma flor clandestina
que
se abre na mata imensa
quando
os ecos da montanha
rompem
o silêncio do tempo
e
revelam o punho escondido
nas
mãos agrárias de um povo.
Seu
corpo... a sua trincheira,
sua
vida por uma bandeira...
pela
honra e pela fé
no
seu destino traçado.
Se
cai... segue erguido na verdade
quando
a voz da liberdade,
sorvendo
a taça de fel,
é
um grito assassinado.
Ai
que dureza em teus punhos
filho
querido do povo.
Com
que ternura forjaste
teu
coração de granada.
Eis
que abateram esse homem
sangrando
a sua esperança,
mas
vivo está como um fogo
renascendo
em cada criança.
Na
memória de um povo inteiro
e
no sangue continental
foi
tua imagem de espanto
que
esculpi com meu canto
com
minha dor de estrangeiro.
Ai,
irmão boliviano
Ai,
um sol assassinado
em
teu corpo de sendero.
Mas
da noite rompe a aurora
na
pátria e nos corações
e
vivo estás, companheiro
no
rastro azul dos teus passos.
Oh
que destino tão lindo
América
como bandeira...
Senhores,
não tenho pátria
sou
latino e americano
e
o mais bravo guerrilheiro
desconheceu
as fronteiras.
Companheiros,
camaradas
já
é hora de partir...
Camilo
Torres, Guevara
Inti
Peredo e Sandino
nos
ensinaram que o sonho
é
a alavanca do destino.
Pois
cantem sempre em meu canto
os
mártires da liberdade
poucos
podem pressentir
que
por trás do véu do tempo
os
coágulos do seu sangue
são
o doce pão do porvir.
Cochabamba, setembro de 1969
1 Artigo publicado no blog Palavrastodaspalavras, em 9 de setembro de 2009.
Manoel de
Andrade, in “ Palavras
no espelho”, Escrituras Editora, São
Paulo, 2018.
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