Cantiga
de escárnio e maldizer II
À memória deAlfredo Campos Matos
e poucos deram por isso.
Ó meu caro, que putedo,
que apenas faz derriço
a quem mal sabe escrever
e, mal sabendo contar,
nada tendo que dizer,
só lhe resta a perna alçar!
Escrever é, hoje, Alfredo,
a arte de não escrever,
porque qualquer arremedo
faz a turba ensandecer.
Nunca houve tantos génios,
que a pátria beatifica:
são muito carcinogéneos,
mas que bem isso lhes fica!
Quanto mais forem obscuros,
quanto menos percebemos,
quanto mais cheios de furos,
mais caros nós os vendemos.
Tu visaste a claridade,
meu caríssimo Alfredo,
a qual é modalidade
não ao gosto do putedo!
A claridade ilumina
e mostra muito às claras
as vestes da concubina
e a tontice das araras.
A claridade expõe,
a claridade desvenda
e com isso indispõe
a malta que está à venda.
Trabalhaste bem no duro,
suaste erudição,
detestaste o escuro,
fugiste do trapalhão.
Ser sério, meu caro Alfredo,
rende pouco, hoje em dia:
os araras têm medo
da tua alta fasquia!
Tu deixas a quem te ler,
mais do que muito saber,
exemplo de bom viver,
sem nunca a alma vender!
12.04.2023
Eugénio Lisboa
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