André
Ventura, a Lusofonia e um texto de Mia Couto
por Eugénio Lisboa
“André Ventura
declarou, num daqueles surtos de originalidade que o caracterizam, que a
derrota de Jair Bolsonaro era um enorme prejuízo para a Lusofonia. Ora a
derrota do destruidor da Amazónia, da cultura brasileira, da vida dos mais
pobres e da dignidade humana, não é uma perda nem para o Brasil, nem para
Portugal, nem para os restantes países da Lusofonia, nem para a humanidade em
geral. Pelo contrário: todos ficaram melhor com o seu afastamento do poder, naquele
país irmão. Bolsonaro não tinha os requisitos mínimos para um chefe de Estado:
nem inteligência, nem sensibilidade, nem cultura política, para não falar de
cultura tout.court, nem de dignidade de chefe de Estado: é um homem grosseiro,
como ficou amplamente demonstrado, no modo como procedeu, quando da visita do
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil, por ocasião da celebração
bicentenária. E também pelo modo rasteiro e abrupto como respondeu a uma
repórter portuguesa, troçando da língua portuguesa falada em Portugal, como se
o berço dela tivesse sido o Brasil, onde, segundo ele, estaria a pronúncia
canónica da língua em que Eça teria (mal) imitado Machado de Assis…
Foi a esta desastrada e
pouco patriótica declaração do líder do CHEGA que o admirável escritor
Moçambicano Mia Couto deu uma firme e bela resposta. Mia Couto é, como sabem
todos os que o conhecem, não só um grande escritor em língua portuguesa, que
soube inovar e acrescentar, com indiscutível talento, mas também um homem de
uma integridade e coragem, à prova de qualquer vírus. Foi, pois, um escritor
oriundo da terra onde nasci e que considero uma das duas pátrias que tenho,
quem veio destemidamente meter na ordem um dos mais perigosos vírus que ameaçam
a sociedade portuguesa: a extrema-direita de André Ventura. E, de caminho,
defender a língua que domina como poucos e tem ACRESCENTADO, como é de ofício
de todo o criador literário. A língua portuguesa tem –se inovado, tem crescido,
tem-se diversificado e enriquecido, não apenas com os grandes mestres dela, que
viveram em Portugal (Fernão Lopes, Camões, Vieira, Camilo, Eça, Pessoa), mas
também com outros de outras latitudes, que lhe adicionaram outro sal e outra
pimenta (Machado de Assis, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond
de Andrade, Luis Bernardo Honwana, José Craveirinha, Luandino Vieira, José
Eduardo Agualusa, entre muitos, muitos outros).
Toda esta riqueza e
muita outra que aqui não referi está sempre ameaçada pelos políticos ignorantes
e grosseiros, para quem a cultura e a ciência são sempre um perigo e, no
mínimo, uma chatice cara e um desperdício.
O desaparecimento de
Bolsonaro não é uma perda para ninguém: é uma esplendorosa benesse! Disse-o com
a maior clareza a comunidade brasileira emigrada para vários países do mundo,
incluindo Portugal. Disse-o com o voto. Mia Couto disse-o com o instrumento em
que se sagrou mestre: a língua portuguesa. Ameaçada, como tudo o que é bom,
pelos ego-maníacos que só sabem agredir e destruir.”
Eugénio
Lisboa, 03.11.2022
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