sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Que resta pois, Portugal?

 
Ler os clássicos é um slogan inteligente de quem sabe quão importante é essa leitura . E foi por o termos feito que, perante  a situação actual do nosso país, nos ocorreram algumas páginas  de Eça de Queiroz. Poderíamos citar outras e outros escritores.  No entanto, ficam estas  como  leitmotiv para  uma releitura pessoal que cada um possa fazer de outras fecundas e sábias páginas de clássicos que, por vezes, estão obscuramente  arredados  dos escaparates  das nossas Livrarias. 
A endemia é um mal que aflige Portugal . As crises sucedem-se e esse mal é nelas de uma cronicidade pura.

Novos Factores da Política Portuguesa
por Eça de Queiroz
III
" Assim viemos expondo , tais como  os compreendemos , os elementos da crise política  que se desenha, e que, nascendo da nossa crise crónica,  a crise económica, se vai ajuntar a ela ajudando a agravá-la por diversos modos.
A situação é esta.  Uma parte importante da Nação perdeu totalmente a fé ( com razão ou sem razão) no parlamentarismo, e nas classes governamentais ou burocráticas  que o encarnam; e tende, por um impulso que irresistivelmente a trabalha, a substitui-las por outra coisa,  que ela ainda não definiu bem a si própria. Qual poderá ser essa outra coisa? Que soluções se apresentam ?
(...) Que resta pois? Resta , como esperança, o sabermos  que as nações têm a vida dura, e que o nosso Portugal tem a vida duríssima. E se os que estão no poder porfiarem sempre em cometer a menor soma humanamente possível de erros  e realizar a maior soma humanamente possível  de acertos, muitos perigos podem ser conjurados e a hora má adiada. O interesse de quem tem o poder ( como dizia ultimamente, nestas mesmas páginas , tratando do Brasil, o Sr. Frederico de S.) está todo e unicamente em acertar.  Se não já por dever de consciência  e de patriotismo, ao menos por egoísmo, por vantagem própria e individual, por ambição mesmo do poder, o esforço constante dum governo deve ser acertar. Entre nós têm-se visto governos que parecem absurdamente apostados  em errar, errar de propósito, errar sempre, errar em tudo., errar por frio sistema.  Há períodos  em que um erro menos realmente pouco conta. No momento histórico a que chegamos, porém, cada erro , por mais pequeno, é um novo golpe de camartelo friamente atirado ao edifício das instituições; mas ao mesmo tempo tal é a inquietação que todos temos de do futuro e do desconhecido, que cada acerto, cada bom acerto, é uma estaca mais sólida e duradoura para estear as instituições. Toda a dúvida está em saber se ainda há, ou se já não há, em Portugal, um governo capaz de sinceramente se compenetrar desta grande , desta irrecusável verdade."
Um espectador.

Eça de Queiroz, in Novos Factores da Política Portuguesa, Editorial Nova Ática 

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