"Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente."
Lúcio Aneu Séneca, in Cartas a Lucílio, Fundação Calouste Gulbenkian
Há quanto tempo não cantoHá quanto tempo não canto
Na muda voz de sentir.
E tenho sofrido tanto
Que chorar fora sorrir.
Há quanto tempo não sinto
De maneira a o descrever,
Nem em ritmos vivos minto
O que não quero dizer...
Há quanto tempo me fecho
À chave dentro de mim.
E é porque já não me queixo
Que as queixas não têm fim.
Há tanto tempo assim duro
Sem vontade de falar!
Já estou amigo do escuro
Não quero o sol nem o ar.
Foi-me tão pesada e crescida
A tristeza que ficou
Que ficou toda na vida.
Para cantar não sonhou.
14-6-1930
Fernando Pessoa, em Poesias Inéditas (1919-1930). (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 133.
Se a morte chega com passos de lã,
aguardemo-la com serenidade.
Irá ela chegar já amanhã,
de tudo mostrando a vacuidade?
Viver foi milagre acontecido
para nos deslumbrar sem se explicar:
foi um dom não de todo merecido
feito para sempre nos ofuscar.
Mas vida acaba como começou,
sem seus esquivos mistérios desvelar:
o espanto que um dia nos doou
deu-no-lo para curto deslumbrar.
A nossa vida é só breve passagem,
não deixa traços da nossa viagem.
01.12.2020
A nossa vida é só breve passagem,
não deixa traços da nossa viagem.
01.12.2020
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