Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado —
Que ouvindo-a há um chiste novo
No ser que tenho guardado...
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...
E ouço-a embalado e sozinho...
É essa mesma que eu quis...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz.
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração...
Se uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acaba com um sentido!
9-11-1928
Fernando Pessoa, Poesias Inéditas (1919-1930).
A música canta-se em português, neste domingo de confinamento. Diz o poeta que, apesar de um erro de sonho ido , canta . E quem canta , liberta-se . Mariza dá voz a este poema: não para se libertar , mas para nos encantar. E outras vozes se lhe juntam. Talvez assim, o dia possa ser mais harmonioso ao minorar a estridência deste mês de Janeiro que finda.
Mariza, em Há uma música do povo, no Concerto de Lisboa.
Cesaria Evora & Marisa Monte, em É Doce Morrer No Mar.
Sem comentários:
Enviar um comentário