"Há poucos anos que terminara a guerra de Espanha , e a
cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um
operário anarquista, acabado de sair da cadeia, procurava trabalho. Em vão, revirava céu e
terra. Não havia trabalho para um comuna. Todos lhe mostravam má cara, encolhiam os ombros ou lhe viravam as costas. Com ninguém se dava , ninguém o ouvia. O vinho era o único amigo que lhe restava. À noite, diante dos
pratos vazios, suportava calado as censuras da sua beata mulher, mulher
de missa diária, enquanto o filho, um menino , lhe recitava o catecismo.
Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho deste operário maldito, contou - me esta história. Contou-me em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou-me que ele era um
menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna , mas o diacho do ateu , do teimoso, não queria saber.
— Mas papá— disse-lhe Josep, a chorar. — Se Deus não existe, quem fez o mundo?
— Tonto— disse o operário, cabisbaixo, quase em segredo. — Tonto. O mundo fizemo-lo nós, os pedreiros."
Eduardo Galeano, in "O Livro dos Abraços", Antígona Editores, 1ª edição, Março de 2018, p 8
— Mas papá— disse-lhe Josep, a chorar. — Se Deus não existe, quem fez o mundo?
— Tonto— disse o operário, cabisbaixo, quase em segredo. — Tonto. O mundo fizemo-lo nós, os pedreiros."
Eduardo Galeano, in "O Livro dos Abraços", Antígona Editores, 1ª edição, Março de 2018, p 8
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