terça-feira, 31 de março de 2020

O Fado nasceu um dia...em Portugal


FADO PORTUGUÊS

O Fado nasceu um dia,
Quando o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava,
Na amurada dum veleiro,
No peito dum marinheiro
Que estando triste, cantava,
Que estando triste, cantava.

(- Ai, que lindeza tamanha,
Meu chão , meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de oiro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Olhar ceguinho de choro...)

Na boca dum marinheiro
Do frágil barco veleiro,
Morrendo, a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
O lábio a queimar de beijos
Que beija o ar, e mais nada,
Que beija o ar, e mais nada.

(- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que ou te levo à sacristia,
Ou foi Deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura.)

Ora eis que embora, outro dia,
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava,
À proa doutro veleiro,
Velava outro marinheiro
Que, estando triste, cantava,
Que estando triste , cantava

(- Ai, que lindeza tamanha,
Meu chão , meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutas de oiro!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro...)

Adaptação do Poema de José Régio
Música de Alain Oulman


Alguns dos fados que perduram sempre vivos na memória colectiva deste nosso país de grandes fadistas. 
Recordar é viver. Vivamos, pois, um pouco com estas vozes, nestes dias mais longos.
Começamos pela  voz bela e inconfundível  de Amália Rodrigues cantando José Régio. 

Amália Rodrigues, em "Fado Português", 1970.

Amália Rodrigues, em Gaivota , 1970.

Gisela João, em Vieste do Fim do Mundo.

Camané, em  Sei De Um Rio.
Ana Moura, em  Tens Os Olhos De Deus.


Mariza, em em Ó gente da minha terra.
Dulce Pontes, em Canção Do Mar.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Reconciliação

XVI
"Aparece , reaparece  a palavra reconciliação. Durante muito tempo alumiava-me com ela, bebia e comia de ela.  Libertação era a sua irmã e a sua antagonista. O herege que abjura os seus erros e regressa à igreja reconcilia-se; a purificação de um lugar sagrado que foi profanado é uma reconciliação.  A separação é uma falta, um extravio. Falta: não estamos  completos; extravio: não estamos no nosso sítio. A reconciliação une o que foi separado, faz a conjunção  da cisão, junta os dispersos : voltamos  ao todo e assim regressamos ao nosso lugar.  Fim do exílio. Libertação abre outra perspectiva: ruptura dos vínculos e ligações, soberania do arbítrio. Conciliação é dependência , submissão; libertação é auto-suficiência, plenitude do  uno, excelência do único. Libertação : prova , purgação, purificação. Quando estou só não estou só: estou comigo; estar separado não é estar cindido: é sermos nós próprios. Com todos , estou desterrado de mim mesmo; a sós estou em mim todo. Libertação não é unicamente o fim dos outros e do outro, mas sim o fim do eu. Retorno do eu - não a si mesmo:  ao mesmo,  regresso à mesmice.
Libertação é o mesmo que reconciliação? Ainda que reconciliação passe por libertação e libertação por reconciliação, cruzam-se apenas para se separarem: reconciliação é identidade na concordância , libertação é identidade na diferença.  Unidade plural , unidade unificada. De outra maneira: da mesma maneira. Eu e os outros, os meus outros , eu em mim mesmo, no mesmo. Reconciliação passa por dissenção , desmembramento, ruptura e liberação. Passa e regressa. É a forma original da revolução , a forma através da qual a sociedade se perpetua a si mesma  e se recria: regeneração do pacto social, retorno à pluralidade original. No início não havia Uno: chefe, deus, eu; por isso, a revolução é o fim do Uno e da unidade indistinta , o começo  (recomeço)  da variedade e as suas rimas , aliterações e composições.  A degeneração da revolução , como se pode ver nos movimentos revolucionários modernos , todos eles sem excepção  transformados em cesarismos burocráticos e em idolatria institucional do Chefe  e do Sistema, equivale à decomposição da sociedade, que deixa  de ser um consenso plural , uma composição no verdadeiro sentido da palavra, para se petrificar na máscara do Uno.  A degeneração consiste no facto  de a sociedade repetir infinitamente a imagem do Chefe, que não é outra coisa senão a máscara da descompostura: a desmesura e impostura de César. Mas não houve nem há um uno: cada um é um todo.  Mas não há todo: falta sempre um. Nem entre todos somos um, nem cada um é um todo. Não há um nem todo: há uns e todos.  Sempre o plural , sempre a pletora incompleta, o nós em busca do seu  cada um: a sua rima, a sua metáfora, o seu complemento diferente.
Sentia-me separado, longe - não dos outros nem das coisas, mas sim de mim mesmo. Quando me procurava por dentro, não me encontrava; saía e também não me reconhecia fora. Dentro e fora encontrava sempre outro. Ao mesmo sempre outro. O meu corpo e eu, a minha sombra e eu, a sua sombra.   As minhas sombras: os meus corpos: entre outros. Dizem que há gente vazia : eu estava cheio, repleto de mim. No entanto, nunca estava em mim e nunca podia entrar em mim: havia sempre outro. Era sempre outro. Suprimi-lo, exorcizá-lo, matá-lo? Assim que o via , desaparecia. Falar com ele, convencê-lo, estabelecer um pacto? Procurava-o aqui e surgia além. Não tinha substância , não ocupava lugar. Nunca estava onde estava eu ; sempre além: cá; sempre cá: além. O meu previsível  invisível, o meu visível  imprevisível. Nunca o mesmo sítio: fora era dentro, dentro era outra parte, aqui era parte nenhuma. Nunca um sítio. Desterros: lonjuras: sempre além. Onde? Aqui. O outro não se moveu: nunca me movi do meu lugar.  Está aqui  Quem ? Eu mesmo: o mesmo. Onde? Em mim: desde o início caio em mim e continuo a cair. Desde o início. Eu sempre vou onde estou, nunca chego onde sou. Sempre eu sempre noutra parte: o mesmo sítio, o outro eu. A saída está na entrada ; a entrada- não há entrada, tudo  é saída. Aqui dentro é sempre fora , aqui é sempre além, o outro sempre noutra parte.  Além está sempre o mesmo: ele mesmo: eu mesmo: o outro. Esse sou eu: isso.
Com quem podia reconciliar-me: comigo ou com o outro -- os outros? Quem eram, quem éramos?Reconciliação não era nem ideia nem palavra: era uma semente que , dia após dia primeiro e depois hora após hora, tinha crescido até converter-se  numa imensa espiral de vidro por cujas veias e filamentos corriam luz, vinho tinto, mel fumo , fogo água do mar e água do rio, neblina, matérias ferventes, torvelinhos de penas. Nem termómetro nem barómetro:central de energia que se transforma em pulverizador  que é uma árvores de ramos e folhas de todas as cores, fábrica de brasas no Inverno e fábrica de frescura no Verão, sol de claridade e sol de sombra, grande albatroz de sol e ar , moinho de reflexos, relógio em que cada hora se contempla nas outras até se anular. Reconciliação era uma fruta  - não a fruta  mas sim a sua madureza  mas sim a sua queda. Reconciliação era um planeta ágata e uma pequena chama , uma rapariga, no centro desse berlinde incandescente.  Reconciliação era certas cores entretecidas  até se converterem  numa estrela  fixa à cabeceira  do ano ou à deriva em aglomerações tíbias nos estribos das estações ; a vibração de um grão de luz  encerrado  na pupila de um gato tombado num ângulo do meio-dia; a respiração das sombras  adormecidas aos pés do Outono desfolhado; as temperaturas  ocres, as correntes cor de tâmara , avermelhadas , incandescentes  e as poças verdes , as  bacias  de gelo , os céus  errantes  e em vestes  de realeza; os tambores  da chuva : sóis  do tamanho de um quarto de hora mas que contêm todos os séculos ; aranhas  que tecem redes translúcidas para bichos infinitesimais , cegos e emissores de claridade , folhagens  de água, folhagens de pedra, folhagens magnéticas. Reconciliação era matriz  e vulva mas também pálpebras , províncias de areia. Era noite. Ilhas , a gravitação  universal , as afinidades electivas , as dúvidas da luz que às seis da tarde não sabe se há-de ficar  ou se há-de ir. Reconciliação não era eu.  Não era vocês nem casa, nem passado ou futuro.  Não era além. Não era regresso, volta ao país de olhos fechados. Era sair para o ar fresco, dizer «bom dia»."
Octavio Paz, in O Macaco Gramático, Bibliotex Editor, pp.77-80

domingo, 29 de março de 2020

Ao Domingo Há Música

«Fica-nos no entanto como conclusão  certa que a dor quando é excessiva  não é criativa  e não é útil; e que a arte  é produzida pela mesma alegria que faz saltitar, voar e  cantar os passarinhos. Os quais , segundo o poeta : " Por cada afeição e cada contentamento que sentem , cantam ; e quanto maior é a afeição  e o contentamento tanto maior alento e maior  cuidado põem no seu canto." Não se podia definir melhor a virtude criativa da alegria vital.» 
Alberto Moravia  "Um mês na U.R.S.S., Edição Livros do Brasil,p.72

O canto chega-nos de Itália. Vozes diferentes mas belas , impregnadas dessa harmonia que têm os sons  desse país. 
Em nome da afeição  e em jeito de alento  para que  seja domingo em todos nós, ficam alguns registos para preencher o dia.

Fiorella Mannoia & Ivano Fossati , em C'è Tempo

Dicono che c'è un tempo per seminare
e uno che hai voglia ad aspettare
un tempo sognato che viene di notte
e un altro di giorno teso
come un lino a sventolare.

Andrea Bocelli e Ariana Grande , em  E Più Ti Penso.
E più ti penso, e più mi manchi
Ti vedo coi miei occhi stanchi
Anche io vorrei, star lì con te
Stringo il cuscino, sei qui vicino
Fabio Concato, em Non smetto di aspettarti do Álbum Tutto qua, 2012
Licenciado ao YouTube por Believe Music (em nome de Halidon); BMI - Broadcast Music Inc., EMI Music Publishing e 4 sociedades de direitos musicais.
Testo Non Smetto Di Aspettarti

Mi manchi
non Te lo dico mai
e i viaggi sono tanti
ma so che tornerai
però mi manchi
mi manca quanto ridi
fino alle lacrime
peccato non Ti vedi.

Mi senti
lo senti quanto manchi
le labbre calde e i fianchi
e molto altro ancora
che qui non posso dire
ma questa notte
mi manchi da morire.

Mi manca
quella Tua leggerezza
per affrontare il mondo
e anche la mia tristezza

Mi manchi
mi mancano i tuoi occhi
che sanno accarezzarmi
e illuminare i miei.

Mi manchi
non puoi sapere quanto
sarà che non esisti


e allora io Ti invento
Ti immagino e Ti canto
e così
mi pare che ci sei
e se non posso amare così tanto
e farmi amare
a cosa servirei.

Mi senti
non so come cercarti
non si a chi domandare
non smetto di aspettarti
perché
mi manchi.

Andrea Bocelli e Eros Ramazzotti , em Nel cuore lei ,do Álbum Sogno.
Licenciado ao YouTube por [Merlin] Sugar Srl, UMG (em nome de SUGAR S.R.L.); LatinAutor, AtlasMusicPub, LatinAutor - SonyATV, União Brasileira de Compositores, EMI Music Publishing, SODRAC, UNIAO BRASILEIRA DE EDITORAS DE MUSICA - UBEM, LatinAutor - PeerMusic, ASCAP e 6 sociedades de direitos musicais.

sábado, 28 de março de 2020

Um sensível e agradecido leitor

Regresso sempre aos meus eleitos. São escritores que me fascinaram. Por mais que descubra outras leituras , o encanto, que redescubro no retábulo dos eleitos,  reencaminha-me, de sedução em sedução, até eles. Jorge Luís Borges é um deles. 
Recopio um excerto do texto dedicado a Borges por André Maurois, na sua obra De Aragon a Montherlant, seguido do Prólogo   à obra Biblioteca Pessoal , redigido pelo seu  autor , Jorge Luís Borges.
I- Jorge Luís Borges
por André Maurois
"Argentino de nascença e temperamento, mas nutrido de literatura universal. Borges não tem pátria espiritual. Cria, fora do espaço e do tempo, mundos imaginários e simbólicos. É um sinal da sua importância que só possa evocar a seu propósito obras estranhas e belas. Aparenta-se com Kafka, Poe, às vezes Wells, sempre Valéry pela brusca projecção de seus paradoxos dentro do que chamaram "a sua metafísica privada".
Borges leu tudo, e especialmente o que ninguém lê mais: os cabalistas, os gregos alexandrinos, os filósofos da Idade Média.A sua erudição não é profunda; ele não lhe pede senão clarões e ideias; mas é vasta. Um exemplo: Pascal escreveu: "A natureza é uma esfera infinita em que o centro está em toda parte, a circunferência em nenhuma." Borges parte à caça dessa metáfora através dos séculos. Acha em Giordano Bruno (1584): "Podemos afirmar com certeza que o universo é todo centro, ou que o centro do universo está em toda parte e sua circunferência em nenhuma parte." Mas Giordano Bruno podia ter lido num teólogo francês do século XII, Alain de Lille, uma fórmula extraída do Corpus Hermeticum (século III): "Deus é uma esfera inteligível cujo centro está em toda parte a circunferência em nenhuma parte". Tais pesquisas, levadas a efeito entre os chineses como entre os árabes ou os egípcios, encantam Borges e  oferecem-lhe contínuos assuntos para contos.
Muitos dos mestres dos quais Borges sofreu alguma influência são ingleses. Nutre profunda admiração por Wells, que escreveu um romance que representa simbolicamente traços inerentes a todos os destinos humanos. 
Cada obra grande e duradoura deve ser ambígua, diz Borges, pois é um espelho que faz conhecer os traços do leitor, embora o autor deva parecer ignorar o significado da sua obra – o que constitui uma descrição excelente da arte do próprio Borges. E é Borges quem diz: "Deus não deve fazer teologia; o escritor não deve anular com raciocínios humanos a fé que a arte exige de nós.”
André Maurois, in  De Aragon a Montherlant, Editora Nova Fronteira


II - Prólogo 
por Jorge Luís Borges
" Ao longo do tempo, a nossa memória vai formando uma biblioteca díspar, feita de livros , ou de páginas, cuja leitura foi uma felicidade para nós e que gostaríamos de partilhar. Os textos dessa biblioteca íntima não são forçosamente famosos. A razão é clara. Os professores , que são quem dispensa a fama, interessam-se menos pela beleza do que pelos vaivéns e pelas datas da literatura e pela prolixa análise de livros que se escreveram para essa análise, não para o prazer do leitor .
A série que prologo e que já entrevejo quer dar esse prazer. Não escolherei os títulos  em função dos meus hábitos  literários , de uma determinada tradição, de uma determinada escola, de tal país ou de tal época.
" Que outros se gabem dos livros  que lhes foi dado ler", disse eu uma vez. Não sei  se sou um bom escritor ; penso ser um excelente leitor ou, em todo o caso, um sensível e agradecido leitor. Desejo que esta biblioteca seja tão diversa como a não saciada curiosidade que me induziu, e continua a induzir-me, à exploração  de tantas linguagens e de tantas literaturas. Sei  que o romance não é menos artificial  do que a alegoria  ou a ópera , mas incluirei  romances porque também eles entraram na minha vida.  Esta série  de livros heterogéneos  é, repito, uma biblioteca de  preferência.
Maria Kodama  e eu errámos pelo globo  da terra e da água. Chegámos ao Texas e ao Japão, a Genebra , a Tebas, e, agora para juntar os textos  que foram essenciais  para nós , percorreremos  as galerias e os palácios da memória, como escreveu Santo Agostinho.
Um livro  é uma coisa  entre as coisas , um volume  perdido entre volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor , o homem destinado aos seus símbolos.  Acontece então a emoção singular chamado beleza, esse mistério  belo que  nem a psicologia nem a retórica decifram.  " A rosa é sem porquê" , disse Angelus Silesius ; séculos depois  Whistler declararia  " A arte acontece".
Oxalá seja o leitor que este livro aguardava."
Jorge Luís Borges , Prólogo, in " Biblioteca Pessoal" , Quetzal Editores, 2014, pp.7,8

sexta-feira, 27 de março de 2020

O discurso interior


"(...) E a verdade é que as coisas mais absurdas passaram a parecer-me, neste mundo absurdo, mais verosímeis do que as coisas lógicas, e além disso particularmente férteis para uma investigação autêntica."
Franz Kafka, Investigações de um Cão, 1922.

"A solidão não te ensina a estar só, mas a ser o único."
E . M. Cióran ,  Crepúsculo do Pensamento, 1938

"Eu aprendi a contentar-me com a simpatia. Encontra-se mais facilmente e, depois, não nos impõe nenhum compromisso. «Creia na minha simpatia», no discurso interior precede imediatamente «e agora ocupemo-nos de outra coisa». É um sentimento de presidente de Conselho: obtém-se muito barato, depois das catástrofes. A amizade é menos simples. A sua aquisição é longa e difícil, mas, quando se obtém, já não há meio de nos desembaraçarmos dela, temos de fazer frente."
Albert Camus, A Queda

"A obrigação, que nos representamos como um laço entre os homens, começa por ligar cada um de nós a si mesmo." 
Henri Bergson, 1932

quinta-feira, 26 de março de 2020

Uma teoria da vida

"Uma teoria da vida que não vem acompanhada de uma crítica do conhecimento é forçada a aceitar, tais e quais, os conceitos que o entendimento põe à sua disposição: não pode fazer mais que encerrar os factos, por bem ou por mal, em quadros preexistentes que ela considera como definitivos. Obtém assim um simbolismo cómodo, talvez mesmo necessário à ciência positiva, mas não uma visão directa de seu objecto. Por outro lado, uma teoria do conhecimento que não reinsere a vida na evolução geral da vida não nos ensinará nem como os quadros do conhecimento se constituíram, nem como podemos ampliá-los ou ultrapassá-los. É preciso que essas duas investigações, teoria do conhecimento e teoria da vida, se encontrem e, por um processo circular, se impulsionem uma à outra indefinidamente"( p.13-14).
[...]Quanto mais numa sociedade humana escavarmos até à raiz das obrigações diversas para chegarmos à obrigação em geral, mais a obrigação tenderá a tornar-se necessidade, mais se aproximará do instinto no que tem de imperioso ( p.38).
[...] entre a sociedade em que vivemos e a humanidade em geral há o mesmo contraste que entre o fechado e o aberto; a diferença entre os dois objectos é de natureza, e não simplesmente de grau (p.41).
[...]Porque é somente através de Deus, em Deus, que a religião convida o homem a amar o género humano, como é também somente através da Razão, na Razão por meio da qual todos nos comunicamos. Que os filósofos nos fazem olhar a humanidade e nos mostram nela a eminente dignidade da pessoa humana, o direito de todos ao respeito. Nem num caso nem no outro se chega à humanidade por etapas, atravessando a família e a nação. É preciso que, de um salto, nos transportemos mais longe que ela e a atinjamos sem a termos tomado por fim, ultrapassando-a. ( p.42)
(Bergson observa como, em todos os tempos, apareceram seres humanos excepcionais, encarnando essa forma de moral que ultrapassa o domínio da obrigação e alcança o reino da absoluta liberdade. Os sábios da Grécia, os profetas de Israel, os monges budistas, os santos cristãos etc. são casos dessa moral aberta e de uma religião dinâmica.
Desse modo, enquanto a moral fechada se realiza na impessoalidade, a moral aberta aparece em personalidades que a vivem e se fazem exemplo para os outros. A própria existência de pessoas com essa qualidade espiritual difunde o apelo por um amor incondicional por suas simples presenças. E o apelo não precisa recorrer a artifícios retóricos, o que ocorre nas formas de moral e de religião baseadas no cálculo e no controle racional. O carácter exemplar das grandes personalidades morais provoca o apelo que suscita um salto de natureza na atitude moral humana: do amor fechado ao amor pela humanidade, estendido ao amor à vida em todas as suas formas.*)
[...)A natureza deste apelo, só a conheceram inteiramente os que experimentaram a presença de uma grande personalidade moral. Mas cada um de nós, nos momentos em que as suas máximas habituais de conduta lhe parecem insuficientes, se perguntou já o que este ou aquele teria dele esperado em semelhante ocasião. Poderá ter sido um familiar, um amigo, quem assim evocávamos por meio do pensamento. Mas poderá tratar-se também de um homem que nunca vimos, cuja vida nos foi simplesmente contada, e a cujo juízo submetemos depois em imaginação a nossa conduta, temendo da sua parte uma censura ou orgulhando-nos a sua aprovação. "( p.43)
Henri Bergson, in A evolução criadora. Trad. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005
*Dante Augusto Galeffi, in Religion and science: difference and repetition - an investigation starting from the moral and religious conception of Henri Bergson

quarta-feira, 25 de março de 2020

Portugal sem sair de casa

Lisboa
Lisboa
Porto
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Porto
Viana do Castelo
Viana do Castelo
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Universidade  de Coimbra
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Coimbra
Faro ( cidade velha)
Praia da Rocha (Algarve)
"Há milhares de anos, o território que actualmente é Portugal já era habitado e as suas fronteiras enquanto país foram definidas há oito séculos. Esta longa história reflecte-se numa cultura particular que resulta do encontro de muitos povos que por aqui se estabeleceram. 
Mosteiro dos Jerónimos
Local: Belém
Foto: Belém
Belém, Mosteiro dos Jerónimos
Encontra-se nas aldeias e nas cidades, nos monumentos e nas tradições, onde se foram juntando influências que os portugueses aplicaram com criatividade. E o mar, sempre tão presente, também moldou a nossa personalidade e levou-nos além do continente europeu, permitindo aprender e partilhar com o resto do mundo.
Torre de Belém_©ATL
Torre de Belém ©Turismo de Lisboa
A arte manuelina, os azulejos e o fado são expressões únicas e símbolos genuínos dos portugueses mas também um contributo para o Património Mundial. Só em Portugal, já foram efectuadas 24 classificações pela UNESCO, entre monumentos, paisagens e património intangível.
Azulejos_Palácio Pereira Forjaz ©António Sacchetti
Azulejos_Palácio Pereira Forjaz ©António Sacchetti
Escolhendo uma região, um itinerário ou um tema específico podemos descobrir um património único e paisagens diferentes a curta distância, onde ainda se mantém a autenticidade dos costumes locais. A gastronomia tradicional e a habitual hospitalidade do alojamento no espaço rural complementarão o passeio na perfeição." Arte e Cultura

terça-feira, 24 de março de 2020

Saudade


...Saudade é amar um passado que ainda não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida...

Quando se ouve boa música fica-se com saudade de algo que nunca se teve e nunca se terá.
Samuel Howe

A memória começa assim:
« A infância foi uma casa
nos braços da tua mãe.»
Eduardo Bettencourt Pinto


Teresa Salgueiro & Pedro Jóia, em Voltarei à minha terra.

domingo, 22 de março de 2020

Ao Domingo Há Música

"A paixão musical substitui todas as formas de vida que não foram vividas e compensa no plano da experiência íntima as satisfações encerradas no círculo dos valores vitais. Quando se sofre vivendo, a necessidade de um mundo novo, distinto do que vivemos habitualmente, nasce de forma imperiosa para não nos diluir num vazio interior. E esse mundo só a música pode trazê-lo.(...)A música desperta o pesar de não ser o que teríamos de ser, e sua magia nos cativa por um instante transportando-nos para o nosso mundo ideal, para o mundo onde deveríamos viver. Após o conflito furioso de ser, nasce  um desejo de pureza angélica, no qual se possa alcançar um sonho de transcendência e serenidade, longe do mundo, pairando  num voo cósmico, com as asas abertas na direcção de vastas distâncias. E eu queria engolir os céus que para mim nunca se abriram…"
CIORAN, EmilO Livro das Ilusões. Trad. de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro, Rocco, 2014.

E o que propomos é um longo , aprazível e transcendente voo através da extraordinária sonoridade da voz de Amira , em "Your Love", do Álbum "With All My Heart".
O vídeo,  HD Clouds Time, é  de Neil B. O registo foi licenciado ao YouTube por UMG (em nome de Coleske); Sony ATV Publishing, UNIAO BRASILEIRA DE EDITORAS DE MUSICA - UBEM, LatinAutor, LatinAutor - SonyATV, SODRAC e 5 sociedades de direitos musicais



Uma outra actuação   de Amira, com as magníficas vozes do Group  interpretando admiravelmente a  intemporal e sempre bela canção "My Way". O registo é de Junho de   2017,  em Pretoria, na África de Sul, nos Classics is Groot' Concert.
Os intérpretes são ( por ordem de apresentação):  Charl du Plessis (piano);Joseph Clark; Loyiso Bala (Swing City); Graeme Watkins (Swing City); Nathan Ro (Swing City); Tarryn Lamb; Monique Steyn;  Corlea Botha; Jannie Moolman; Ruhan du Toit e Amira Willighagen.


sábado, 21 de março de 2020

Sobre a Poesia XX

Retoma-se, neste espaço,uma rubrica que fomos  alargando  ao longo do tempo , sem a periodicidade que merece , mas com o fervor e encantamento que sempre nos provoca   a Poesia.
«Um poema é feito de tanta coisa» afirma Eugénio Lisboa, num texto notável sobre um livro de poemas ( Nó Cego, o regresso ) de Vasco Graça Moura.
Quer o poeta quer o crítico literário conhecem essa  espécie de canto que se celebra hoje. 
É nessas vozes maiores da nossa Literatura  que lográmos  «rasgar a sombra intocável» que,  neste dia Mundial da Poesia,  possa pairar sobre  o pensamento de todos nós.

XVII
como meter o mundo 
num poema? traduzir-lhe
a áspera realidade, a doçura
intranquila?

como meter o trabalho
dos homens, os seus dias,
nessas escassas linhas,
seus ócios, seus espelhos,

seus desvarios, suas
catástrofes de amor?
como meter a mortë
nas palavras?

só que uma coisa bela
é para sempre uma alegria inquieta.
Vasco Graça Moura, in " Nó cego, o regresso" - " poesia reunida, 1962-1997" vol. 1,  Quetzal Editores,  Outubro de 2012

Vasco Graça Moura
NÓ CEGO, O  REGRESSO
Por Eugénio Lisboa
" Como meter o mundo / num poema?", pergunta o poeta num dos textos mais belos deste Nó Cego. Um poema é feito de tanta coisa sábia e aparentemente tão alheia à nossa imediata angústia quotidiana! Um poema insere-se numa cultura específica ( e V. Graça é um poeta superiormente culto) e requer frequentemente uma tecnologia exigente ( e V. Graça Moura é um fabbro prodigioso). Até que ponto pode tudo isto respeitar - sem a deformar - a nossa límpida vivência das coisas? ( mas haverá uma límpida vivência das coisas?). " Como meter o trabalho / dos homens , os seus dias, / nessas escassas linhas, seus ócios, seus espelhos, / /  como meter a morte / nas palavras?" - eis um sério e perturbante punhado de perguntas que todo o artista  consciente não pode deixar de fazer, a certo ponto  do percurso. Tem mesmo o dever de as fazer. Mas o que não pode  ter é a proibida inocência  de pensar  que é possível  dar-lhes uma resposta. Dizia Cocteau, ensaiando uma dessas  impossíveis respostas, que a arte  é a ciência  feita carne. Querendo , em suma , significar que uma sábia arte poética   não perturba , pelo contrário, a intensidade ( e autenticidade)  da comunicação. Como se a constante quântica deste pelouro que é a arte poética não introduzisse qualquer deformação no percurso entre o referente , o emissor e o destinatário. Ou como se introduzisse  tão minimamente que não valesse a pena pensar-se  nisso!
Poeta culto e artesão superior e meticuloso, Vasco Graça Moura não pode ficar - e não fica - indiferente às ambíguas relações entre real  e o canto que no-lo devolve - em que estado de conservação ? « o real será [apenas] / a epígrafe  de sermos? » Mais: [ será apenas] « uma espécie de canto/ que a música transcende?» Mas em que termos  ( de deformação , de distorsão)  transcenderá? « o real será (...) / uma realidade?» Ou sê-lo-á a música que no-lo traduz? De que é  capaz essa música? Quais os poderes dela? Que pode ela fazer que aconteça? Auden preferia responder em termos de mais radical  ( e saudável?) cepticismo:
Poetry makes  nothing happen:  it survives
   In the vallley of its saying

( A poesia nada faz acontecer: sobrevive
No vale do seu próprio dizer).

A poesia «nada faz acontecer » mas, observa Auden, «sobretudo vive no vale do seu próprio dizer». Restaria investigar que modos reveste este sobreviver.  Visitando o quotidiano «rigor/ do coração: nó cego , indesatável / por nevoeiro espesso / ou ténue gaze na distância», Vasco Graça Moura não logra , como ninguém logra,  «rasgar a sombra intocável». A linguagem do poeta  não tem no leque  dos seus poderes o poder de solucionar enigmas. Explora , quando muito, sem a resolver , como observava com argúcia um escritor inglês contemporâneo, a insanável perplexidade do seu autor.  O rigor e a virtuosidade do fabbro são precisamente a melhor resposta - porventura a única - à radical  incapacidade  de responder  às perguntas milenárias. Quanto maior  e mais certa  a derrota  na sondagem, tanto mais esplendoroso deve ser o vestuário da pergunta.  O deslumbramento técnico do ritmo deve poder  «aguentar a desilusão da pesquisa. Mais uma vez , era Nietzche quem tinha razão: « O poeta apresenta festivamente os seus pensamentos, na carruagem do ritmo: em geral, porque eles não têm, por si, pernas para andar».
Eugénio Lisboa, in " As vinte e cinco notas do texto", Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1987, pp 210, 211

sexta-feira, 20 de março de 2020

Pensar

“Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.”
Agostinho da Silva, in " Sete Cartas a um jovem filósofo", Editor Ulmeiro, Abril de 1997

quinta-feira, 19 de março de 2020

Grazie a te, Italia



Un amore grande
Grande come il mondo
Mi portavi la bellezza di un mattino
Un sorriso nei miei occhi
Un sorriso che oramai non c'è più


Eri un amore grande
Grande più del mondo
Cancellavi con un attimo di vita
Tutto il triste mio passato
Come all'alba nasce un giorno dalla notte


Prima c'eri tu
Oggi quante notti passo ad aspettare
Quanti versi improvviso nel sognare
Stringendo un cuscino fra le braccia
E rivedo te


Che eri un amore grande
Grande più del mondo
Mi portavi la bellezza di un mattino
Un sorriso nei miei occhi
Un sorriso che oramai non c'è più


Prima c'eri tu
Oggi quante notti passo ad aspettare
Quanti versi improvviso nel sognare
Stringendo un cuscino fra le braccia
E rivedo te


Che eri un amore grande
Grande più del mondo
Mi portavi la bellezza di un mattino
Un sorriso nei miei occhi
Un sorriso che oramai non c'è più


Un amore grande, por Peppino Gagliardi do Álbum Settembre, 1994.
Música e Cinema são apenas dois exemplos do tanto que este  belo país deu ao mundo, Quantos nomes grandes se distinguiram e deixaram marca em todas as áreas da Arte. 
Quem conhece ou não Itália, sabe-a de  Norte a Sul, de Ocidente a Oriente como um dos mais ricos  e completos  patrimónios  da Humanidade. 
É impossível não a incluir nos diversos compartimentos que compõem a  cultura, a civilização  de todos nós,  do mundo inteiro.
Grazie a te, Italia, por tudo quanto  nos deixaste desvendar, nos permitiste usufruir, nos ousaste seduzir e para sempre  nos encantar. A Música, a Literatura, a Pintura, a Escultura, a Arquitectura ,  enfim  toda a   Arte que produziste e tão prodigiosamente manifestaste.
Neste momento difícil , fica a gratidão e a lembrança de nostro amore grande per te, com as imagens do talentoso Marcello Mastroianni e a voz de Peppino Gagliardi.

Licenciado ao YouTube por The Orchard Music (em nome de DV More); SODRAC, UMPG Publishing, Warner Chappell, BMI - Broadcast Music Inc. e 5 sociedades de direitos musicais.

quarta-feira, 18 de março de 2020

A «Trégua de Deus»

Ao meu amigo Willie Heath
Morto em Paris a 3 de Outubro de 1893

                    Do seio de Deus onde repousas, revela-me as verdades
                   que dominam a morte , que também impedem de a temer e
                   quase no-la fazem amar.



"Os antigos gregos  ofertavam aos seus mortos bolos, leite e vinho. Seduzidos  por uma ilusão mais requintada, senão mais sensata, nós ofertamos-lhes flores e os nossos livros. Se este te ofereço é, primeiro que tudo , por ser um livro de imagens .
(...) A tua vida, tal como a desejavas, seria uma daquelas obras que requerem uma alta inspiração.Tanto quanto da fé e do génio, ela pode vir do amor. Nela e nas suas proximidades residem forças ocultas, auxílios secretos, uma «graça» que não existe na vida. Tal como os amantes  quando começam a amar, tal como os poetas  no tempo em que cantam, os doentes sentem-se mais perto da própria alma. A vida é uma coisa dura  que aperta muito connosco e nos magoa na alma. Nos momentos  em que ela nos alarga a rédea, podemos sentir clarividentes doçuras. Quando em criança , a que mais miseranda me parecia, entre todas as personagens da história sagrada, era Noé, por causa do dilúvio, que o obrigou a ficar fechado na arca durante quarenta dias. Compreendi então que Noé nunca mais pôde  ver o mundo a não ser da arca, embora ela fosse fechada e a terra estivesse às escuras. Quando começou  a minha convalescença, a minha mãe, que nunca me largou e que mesmo durante  a noite se mantinha  junto de mim ,«abriu a porta da arca» e saiu. Mas, tal como a pomba, «voltou naquela mesma noite». Depois sarei completamente  e ela, tal como a pomba, « nunca mais voltou». Tive de recomeçar a viver, afastando-me de mim, passando a ouvir outras palavras mais duras do que as da minha mãe; além disso, as dela, até ali sempre tão doces, não eram já as mesmas, impregnava-as a severidade da vida e do dever que ela me queria ensinar. Doce pomba do dilúvio, ao ver-te partir , como pensar que o patriarca não terá sentido alguma tristeza à mistura  com a alegria de ver renascer o mundo? Doçura da suspensão de viver, da verdadeira «Trégua de Deus» que interrompeu o trabalho, os maus desejos. «Graça»» da doença que nos aproxima das realidades de além-morte -  e as suas graças também, graças «desses vãos ornamentos e desses véus que pesam», dos cabelos que mão importuna «teve o cuidado de reunir» , suaves fidelidades de uma mãe e de um amigo que muitas vezes nos apareceram como o rosto da nossa tristeza  ou como o gesto da protecção implorada pela nossa fraqueza,  e que terminarão assim que chega  a convalescença, muitas vezes eu sofri por vos ver tão longe de mim, todas vós, exilada descendência da pomba da arca. E quem, meu querido Willie, não conheceu momentos assim, em que desejaria estar onde tu estás? Assumem-se com a vida  tantos compromissos que chega uma hora  em que, sem coragem para os honrarmos todos  , nos voltamos para as tumbas, chamamos a morte,« a morte que  vem socorrer os destinos que têm dificuldade em cumprir-se.» Mas se ela  não nos desliga dos compromissos tomados com a vida, não pode desligar-nos dos que tomamos connosco e sobretudo do primeiro de todos, que é o de vivermos para valer e merecer. " 
Marcel Proust, in Os prazeres e os dias, Editorial Estampa, pp 11,12 e 13