domingo, 31 de dezembro de 2017

Crónicas da Infâmia

       

     
  Pela alegria da minha tristeza, gostaria que esta Terra não voltasse a conhecer a morte.
                                              E.M. Cioran, Pe Culmile Disperări

Crónicas da Infâmia
6 -  De 2017: um ano dorido e doloroso   
2017, ano dorido e doloroso, será, talvez, o ano mais sofrido para muitos dos portugueses. Nem a fome, nem a guerra , nem a ditadura eram os fantasmas que se temiam em  2017. 
Não. 2017 era, ainda ,  um ano de experiência governativa. Começara em 2015: um acordo interpartidário de apoio ao governo socialista estabelecido pelo PCP, Partido Comunista Português,  e BE, Bloco de Esquerda. Uma situação inédita: um Partido que perdeu as eleições a formar governo, sustentado por uma  maioria de Esquerda. Alguém os baptizou de "geringonça". Portugal tinha , então, um governo democraticamente sustentado. Geringonça  ou não , o governo não propôs, promoveu ou executou qualquer  acto que pretendesse  causar o sofrimento que  fica deste ano que vai findar. 

Mas o sofrimento chegou. Intenso, medonho, insuportável e longo.  Por omissão, incúria, imprevisibilidade? Aconteceu. Instalou-se.
E se  chegou , que fez sofrer os portugueses? Responder a esta questão é rever uma outra vez, após infindos olhares, a tragédia dos incêndios . Uma grande parte de Portugal enegreceu, esventrada e  esvaziada de qualquer vegetação e das pródigas cores de uma natureza peculiar  que lhe era natural. Um mar de cinzas salpicado por ressequidas florestas e  esquálidos  esqueletos  de casas, onde viveu gente ,  durante uma vida inteira . Uma estrada que se transformou num explosivo caminho para a morte. Imaginar o que passou quem, por ela, tentava fugir é, talvez, o maior desespero que nos lega 2017. Sair de um mar de chamas para  ser encurralado  num inferno impiedoso e assassino, é uma tragédia sem nome.
Por muito que se sucedam  as imagens de um Junho incendiado e de um outro Outubro reacendido, nunca deixam de provocar uma  acutilante comoção. Jamais tanta repetida imagem resvalou ou atentou entrar no campo da banalização  da dor. Ela sente-se, solta-se , dói sempre que se expõe aos nossos olhos. E se são rostos de gente gasta pelo tempo, cujo olhar se perde naquilo que juntaram ao longo de tantos anos, a dor deixa de ser imagem, entra-nos para nos fazer sentir que é o outro que sofre em nós.

A perda de mais de 115 vidas, a devastação de cerca de 500 mil ha, a destruição de centenas de casas, instalações industriais e empresariais, com o leque de efeitos sociais, ambientais e económicos que trouxe, parece que finalmente despertou a sociedade para a relevância do problema dos incêndios florestais. ( Do relatório  do Professor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, Xavier Viegas).

Todos guardaremos tanta perda , tanta devastação e tanta ausência daquilo que foi  o património maior no coração de quem o perdeu. 
Que o dealbar do novo ano  ilumine  o olhar  e active o discernimento de quem pode evitar esta dorida e dolorosa tragédia.
Fiquemos atentos. Que venha 2018.
                     Praia da Rocha, 31 de Dezembro de 2017
                         Maria José  Vieira de Sousa

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