Livres Pensantes vai fazer uma pausa . Regressará em Setembro. Em jeito de despedida , celebra o AMOR. Talvez para lembrar que, neste mundo tão precário, é urgente tornar os afectos mais duradouros.
Amor é um fogo que arde sem se ver,é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões,Poesia Lírica de Camões, Ulisseia
O Amor o que é?
O amor é
um nome de mulher
na boca de um homem.
O amor é
uma flor perfeita
na lapela de um homem só.
O amor é
um continente sem fronteiras
para que tudo aconteça.
O amor é
a alegria do corpo
sem vergonha de amar.
O amor é
dividir somente
o que se pode partilhar.
O amor é
uma cidade azul
no dorso de uma nuvem.
O amor é
um rapaz loucamente
apaixonado por uma rapariga.
O amor é
tão fácil e tão simples
que até se torna difícil.
O amor é
tudo aquilo que um dia
ganhamos coragem para ser.
O amor é
gostarmos de nós
e sabermos porquê.
José Jorge Letria, in O Amor o que é?, Edição Ambar, 2006
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
amor como em casa.
Manuel António Pina, Poesia Reunida. Lisboa, Assírio &Alvim, 2001
Recusa das almas evidentes
Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à baínha dum cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.
Natália Correia, in Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, 1999
Assim o amor
Espantado meu olhar com teus cabelos
Espantado meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas
Tardes que oscilam demoradas
E um confuso rumor de obscuras vidas
E o tempo sentado no limiar dos campos
Com seu fuso sua faca e seus novelos
Em vão busquei eterna luz precisa
Sophia Mello Breyner Andresen,Antologia -Círculo de Poesia,
Moraes Editores, 1975
Não posso adiar o amor para outro século
não posso ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa",Edições Ática, 1960
Um olhar brando, claro, temeroso,
um gesto doce, quente, fugitivo,
quase ousado; um tremer ilusivo,
um fulgor de seio macio e sedoso;
um pudor ousado, um tentar medroso,
um sentir pensando, grave e modesto,
um dizer que sim, como se em protesto,
percurso de alma limpo e sinuoso;
um sensual recuo; uma doçura,
um medo que se atreve; um ar sereno,
um sofrer doce e amargo de quem vive;
eis a magia, o veneno, a tortura,
o sentir, o viver, o gozo pleno
que, por ti, sem o ter, eu sempre tive.
Londres, 7.4.1980
Eugénio Lisboa, in “ a matéria intensa”, Ed. Peregrinação
Vou vivendo na vontade
Que tenho de me atirar
No incêndio dos teus braços
a procurar no final
voltar de novo ao início
entre a poesia e o voar
pois escrever e amar
é arder
no mesmo vício
Maria Teresa Horta, in “ Poesis”, Publicações D. Quixote, 2017
Carta de Amor
Ouve-me!, se é que ainda
Me podes tolerar.
Neste papel rasgado
Das arestas da minh'alma,
Ai!, as absurdas intrigas
Que te quisera contar!
Ai os enredos,
Os medos,
E as lutas em que medito,
Quer dê, quer não dê por isso,
Sem descansar
Um momento...!
Quem sofre - pensa; e o tormento
Não é sofrer, é pensar.
O pensamento
Faz engolir o vómito de fel...
Ouve! se sou cruel
Neste papel queimado
Dos incêndios da minh'alma,
é de raiva de que embalde
Te procure dizer sem falsidade
Coisas que, ditas, já não são verdade...
E procuro eu dizê-las,
Ou procuro escondê-las?
E procuro eu dizer-tas,
Ou procuro a vaidade
De mas dizer, a mim, de modo que mas ouçam
Esses mesmos que desprezo,
E cujo louvor me é caro?
Não me acredites!
O que digo,
Antes ou depois, o peso;
E não!, não é a ti que me eu declaro!
Sei que me não entendes.
Sei que quanto melhor te revelar
O meu mundo profundo,
O fundo do meu mar,
Os limos do meu poço,
O antro que é só meu (sendo, apesar de tudo, nosso)
Menos me entenderás,
Tu..., - a minha metade!
Por isso me não és senão vaidade,
Meu amor!, meu pretexto
Deste miserável texto...
Vês como sou?
Mas sou pior do que isto.
Sabe que, se me acuso,
é só por vício antigo
De me lamber as mãos e agatanhar o peito,
De me exibir a Cristo!
Sabe que a meu respeito
Vou além de quanto digo.
Sabe que os males que ora uso,
Como quem usa
Cabeleira ou dentadura,
São a pintura
Que esconde os mais verdadeiros,
De outro teor...
E sabe que sou pior!:
Sabe (se é que o não sabes)
Que ao teu amor por mim foi que ganhei amor.
Que a ti..., sei lá se te amo.
Sei que me deixam sozinho
Ante o girar dos mundos e dos séculos;
Sei que um deserto é o meu caminho;
Sei que o silêncio
Me há-de sepultar em vida;
Sei que o pavor, a noite, o frio,
Serão jardim da minha ermida;
Sei que tenho dó de mim...
Fica tu sabendo assim,
Querida!,
Porque te chamo.
Mas amar-te?!
Não!, minha vida.
Não! Reduziram-me a isto:
Só a mim amo.
Ama-me tu, se podes,
Sem procurar compreender-me:
Poderias julgar que me encontravas,
E seria eu perder-te e tu perder-me...
Ao menos tu..., desiste!
A sobre-humana prova que te peço,
A mais heróica!,
A mais inglória e a mais triste,
é essa..., - é este o meu preço.
Mais que o despeito, o ódio, a incompreensão
Dos por quem passei sereno,
Estendendo a mão afável
Ao frio, pérfido, amável
Aperto da sua mão,
Me punge,
Me pesa no coração,
O fruste amor dos que me interpretaram.
Ai!, bem quiseram amar-me!
Bem o tentaram.
Mas nunca me perdoaram
O não serem dominados
Nem poderem dominar-me...
E assim o nosso amor foi uma luta
De cobardes abraçados.
Entre eu e tu,
Tão profundo é o contrato
Que não pode haver disputa.
Não é pacto
Dum pobre aperto de mão:
Entre nós, - ou sim ou não.
Despi-me..., vê se me queres!
Despi-me com impudor,
Que é irmão do desespero.
Vê se me queres,
Sabendo que te não quero,
Nem te mereço,
Nem mereço ser amado
Pela pior
Das mulheres...
Poderás amar-me assim,
(Como explicar-me?!)
Por Qualquer Cousa que eu for,
Mas não por mim!, não a mim...!
Beijo-te os pés, meu amor.
José Régio, in “ As Encruzilhadas de Deus” , Portugália Editora
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Florbela Espanca, in “ Charneca em Flor”, Editorial Estampa
Na Orla do Mar
Na orla do mar
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
( e mora, secreto
intenso, solar,
todo o meu desejo)
aí vou eu colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor
onde o corpo é alma.
Eugénio de Andrade, in "Até amanhã", Assírio & Alvim
Para Sempre
Para Sempre
“Leve como uma pena, a luz apagada, a
incrível doçura do teu corpo.
Frágil minúsculo na ponta dos dedos da
minha mão. Apanhar-te toda , amachucada toda na palma da minha mão. Friso
subtil dos meus nervos, ah, o veludo do
teu calor.(…) Tanto como te sonhei e imaginei
no meu querer de crise e estava
agora ali total, tinha medo de te tocar, destruir. Tão melindrosa evanescente.
(…)
Assim estive longo tempo, mas eu precisava tanto de te tocar.
Recuperar a tua realidade inacreditável, a tua presença no centro do universo. A
mão suave na fronte, o lume de um meu dedo na fímbria do teu corpo. A
respiração subtil da minha boca na tua
face. O halo fugidio da minha presença
na tua – e tu rodaste sobre ti , um apagado
ciciar da tua boca. Pregado na noite como uma vigília, irradiada de uma
luz viva e trémula – dorme. Que é que eu
amo em ti? Não é o teu corpo, não é o teu espírito, mas a transfiguração de um
pelo outro, a transcendência da tua carne frágil, a abordagem de quem tu és no
mais profundo de ti, na posse compacta de toda tu, no espasmo de um punho cerrado-
dorme. Não posso dormir, não quero. Como perder esta hora máxima de ser, de
tocar toda a tua realidade secreta,
drasticamente separada, segregada da minha ânsia em agonia? Porque tu eras para mim o puro
irreal e imaginário, o subtil incorpóreo, a pura iluminação sem consistência, a
aparência do não-ser, a terrível beleza
intocável, a graça aérea imaterial Como dormir
e perder-te e acordar depois - tu não estares aqui e ser tudo
fantástico de impossível? Estendo a minha mão , és tu real na febre da minha mão. Então rolaste de novo sobre ti e eu tive medo. Medo do meu excesso, na aflição da minha
angústia. Tremente perdido
- Sim?
ousei a tua face a súplica de que
fosses de novo verdadeiramente real. E a tua mão de infância procurou a minha e
num interstício de suspeita respondeu. Meu Deus.”
Vergílio
Ferreira , in “ para
sempre”, Livraria Bertrand
“ Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos.
“ Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos.
Amava Simão uma sua vizinha , menina
de quinze anos, rica herdeira , regularmente
bonita e bem nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a
primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com
mais seriedade que a usual nos seus anos.
Os poetas cansam-nos a paciência a
falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e
inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o
Teresa de Albuquerque devia ser ,
porventura, uma excepção no seu amor.
O magistrado e sua família eram
odiosos a Botelho o pai de Teresa , por motivos de litígios , em que Domingos lhes
deu sentenças contra.(…)
E este amor era singularmente discreto
e cauteloso. Viram-se e falaram-se três
meses, sem darem rebate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias.
O destino que ambos se prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para
poder sustentá-la, se não tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora
sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha na índole de Simão Botelho,
e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são um
património!
Na véspera da sua ida para Coimbra ,
estava Simão Botelho despedindo-se da suspirosa menina, quando subitamente ela
foi arrancada da janela. O alucinado moço ouviu gemidos daquela voz
que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas de saudade.
Ferveu-lhe o sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como um tigre contra
as grades inflexíveis da jaula. (...) com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e
renasceu a esperança com os cálculos.(…)
Simão, porém, entre mil projectos, achara melhor o de ir para Coimbra, esperar lá notícias de Teresa, e vir a
ocultas a Viseu falar com ela. Ajuizadamente discorrera ele; que a sua demora
agravaria a situação de Teresa.
Quando descera o académico ao pátio,
depois de abraçar a mãe e irmãs , e beijar a mão do pai, que para esta hora
reservara uma admoestação severa, aponto de lhe asseverar que de todo o
abandonaria, se ele caísse em novas extravagâncias. Quando metia o pé no estribo, viu a seu lado uma velha mendiga,
estendendo-lhe a mão aberta como quem pede esmola, e, na palma da mão, um pequeno
papel.
Sobressaltou-se o moço; e , a poucos
passos distante de sua casa, leu estas linhas:
“ Meu pai diz que me vai encerrar num
convento por tua causa.. Sofrerei tudo
por amor de ti. Não me esqueças tu, e
achar-me-ás no convento, ou no Céu, sempre tua
do coração, e sempre leal. Parte para Coimbra. Lá irão dar as minhas
cartas; e na primeira te direi em que nome hás-de responder à tua pobre Teresa.”
Camilo
Castelo Branco, in “
Amor de Perdição”, Porto Editora, Lda
Sem comentários:
Enviar um comentário