A notícia sufocou-nos . Anunciava a morte de um dos grandes poetas e intelectuais do Brasil. Era a imprensa brasileira que divulgava o seguinte:
Ferreira Gullar morre aos 86 anos no
Rio de Janeiro
" Poeta, escritor e dramaturgo é um dos
maiores autores brasileiros do século XX.
O
poeta, escritor e dramaturgo maranhense Ferreira Gullar morreu na manhã deste
domingo (4) no Rio, aos 86 anos. Gullar é um dos maiores autores brasileiros do
século XX e foi
eleito "imortal" da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2014,
tornando-se o sétimo ocupante da cadeira nº 37.
De
acordo com a ABL, Gullar foi vítima de uma pneumonia. Estava internado há 20
dias no hospital Copa D'Or, na Zona Sul do Rio.
O
corpo do escritor será transportado às 17h deste domingo para Biblioteca Nacional, no Centro do Rio. Às 9h
de segunda (5), ele sai para o velório no prédio da Academia Brasileira de
Letras. Às 15h, o corpo será levado para o enterro no mausoléu da ABL, no
Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo.
Ferreira
Gullar deixa dois filhos, Luciana e Paulo, oito netos, e a companheira Cláudia,
com quem vivia actualmente. Seu último livro , "Autobiografia poética e outros
textos", foi lançado este ano.” G1
Ferreira Gullar é um dos nossos
poetas. Publicámos muita Poesia, Crónicas e Contos deste grande homem das
Letras Brasileiras. Lúcida e perspicaz, a sua escrita é e sempre será objecto de grande fulgor na
Literatura Universal.
Ferreira
Gullar, vencedor do Prémio Camões 2010,
foi uma forte voz da resistência na época da Ditadura no Brasil . Recordamos um dos mais belos poemas
desse tempo sujo que viveu nesse Brasil , a sua pátria , que tem como título Não há vagas, seguido de
um outro de 1980, Traduzir-se.
"Traduzir-se é a forma do desencontro íntimo do “eu-lírico”,
consequência da sua fragmentação interior. O ser que se desconhece carece de
tradução, pois é um poço de contradições.(…) A contrariedade do mundo força-o a ser
crítico e a fazer de sua criação poética um modo de resistência.»
Até
sempre, poeta.
NÃO
HÁ VAGAS
O
preço do feijão
não
cabe no poema. O preço
do
arroz
não
cabe no poema.
Não
cabem no poema o gás
a
luz do telefone
a
sonegação
do
leite
da
carne
do
açúcar
do
pão
O
funcionário público
não
cabe no poema
com
seu salário de fome
sua
vida fechada
em
arquivos.
Como
não cabe no poema
o
operário
que
esmerila seu dia de aço
e
carvão
nas
oficinas escuras
—
porque o poema, senhores,
está
fechado:
“não
há vagas”
Só
cabe no poema
o
homem sem estômago
a
mulher de nuvens
a
fruta sem preço
O
poema, senhores,
não
fede
nem
cheira
Ferreira Gullar, in “Dentro da
noite veloz” , 1975 ,Toda Poesia. 11.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001
TRADUZIR-SE
Uma
parte de mim
é
todo mundo:
outra
parte é ninguém:
fundo
sem fundo.
Uma
parte de mim
é
multidão:
outra
parte estranheza
e
solidão.
Uma
parte de mim
pesa,
pondera:
outra
parte
delira.
Uma
parte de mim
almoça
e janta:
outra
parte
se
espanta.
Uma
parte de mim
é
permanente:
outra
parte
se
sabe de repente.
Uma
parte de mim
é
só vertigem:
outra
parte,
linguagem.
Traduzir
uma parte
na
outra parte
–
que é uma questão
de
vida ou morte –
será
arte?
Ferreira Gullar, in "Na vertigem do dia" 1980, Toda Poesia. 11.ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2001
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