"Chove. Antigos dirigentes do partido explicam-se na televisão. " Acreditavam " no partido. " Acreditavam" que tinha havido "erros", faltas , mas " acreditavam", por exemplo, que "Estaline não sabia" nada disso. Etc. . Mas não se pense que não misturavam estes lugares-comuns com factos reais, a chamada "fé" com pensamentos ou sentimentos reais. A lição que podemos extrair: estes homens dedicaram a vida a um mau uso da linguagem. Mas também, o que já é mais grave, promoveram esse mau uso da linguagem à categoria de consenso. E, com a partida, deixaram para trás estropiados no mau uso da linguagem, que requerem , agora, urgente socorro linguagem , e , quais farrapos de papel dispersos, subitamente pusessem a nu as suas feridas morais. Para onde quer que olhe, estalam próteses morais, chocam muletas morais, rolam cadeiras morais. Não se trata de esquecer uma época como se esquece um qualquer pesadelo: porque eles foram esse pesadelo e deviam esquecer-se de si mesmos, se quiserem viver. E, na realidade, ainda ninguém procurou saber se, após uma longa morte, é possível, é sedutor, viver de novo. Quem é que já ressuscitou - não, claro, para proclamar o milagre mas tão-somente para vegetar , para , essencialmente, fazer a mesma coisa que antes ( para nada ), e sem se dar conta da experiência da ressurreição? É possível imaginar Lázaro no papel de Chaplin?"
Imre Kertész, in " Um Outro - Crónica de uma metamorfose", Editorial Presença , pp. 11,12
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