Le deuil: réaction à la perte d'un être aimé
Sigmund Freud
A morte tem
chegado neste tempo último e, com ela, redobra-se a soberana
clarividência da vulnerabilidade, da volatilidade da nossa aprazada
permanência. Têm sido tantos os que partem e que pensávamos sempre
entre nós. Sentir a morte daqueles que amamos , daqueles que admiramos,
daqueles que nos tocaram, daqueles que cresceram connosco é sentir a dor
que sufoca e fragiliza. Uma dor tão dorida que o luto se apodera de nós e de
tudo o que nos rodeia. E quando o amor sempre foi celebrado , todos
os caminhos se fecham e apenas a evocação do outro permanece.
É a fulminante incerteza . É a perda de um norte, o ruir
de um chão e a singular visão de um futuro indesejado.
Vários
escritores têm escrito sobre a morte, sobre o luto que provoca em quem fica. Um
estado de sofrimento que exige solidão, recato, afastamento.Uma escrita intima
, dolorosa fecundada no âmago da perda.
Eugénio
Lisboa publicou,
no JL do final de Agosto ( nº 1197) , algumas entradas de um diário de luto, sob o título
de Páginas do diário de um luto. Um registo
pungente em memória da mulher, Maria Antonieta, que acabara de falecer. A
dor , a angústia da ausência do ser amado perpassa insistente e
dilacerante em todas as páginas. Uma ausência que surge abrupta e que
aniquila pela trágica e evidente certeza . A partida de quem
foi a constante e cúmplice presença ao longo de uma vida
é quase um abandono inverosímil mas real.
S.
Pedro do Estoril , 3 de Agosto
(...)Aconteceu
o inconcebível: partires, deixares-me sem ti. Mas partiste , no teu estilo
próprio: elegante , sem alarde, determinada.(...)
Vale d'El Rei, Lagoa, 4 de Agosto
Parece-me
cada vez mais inconcebível que a MA nos tenha deixado ( me tenha deixado).
Saberei viver sem ela? Será viver sem ela - viver?
"Ma
mère s'éloigne doucement", ao fim de 13 anos de nos ter deixado.
"Doucement, mais elle s´"eloigne". Irá acontecer o mesmo à MA? Não,
porque não viverei muito tempo. Mas só um pouco que fosse, esse éloignement,
martirizar-me-ia. O afastamento pode ser terapêutico, mas rejeito-o com
pavor e indignação.
O luto pode ser uma "região atroz" que aprisiona e da qual não se quer evadir, nem se deseja libertar.
A dor
imparável e aliada cresce com a ausência nos dias que se seguem.E
essa dor passa a ser nossa porque nos toca profundamente, sem
permissão e resistência.
Vale d'El Rei, Lagoa, 6 de Agosto
(...)
Estás em tudo e em todo o lado. E, ao mesmo tempo, não estás. Este teu
não estar, não estando, é o meu perpétuo tormento.
(...) Tudo
, neste momento, me reconduz a ti. Não há nada em que não estejas.
Só tinha
desejado uma coisa: viver mais dois ou três dias do que tu, tal era
o meu medo de te deixar sozinha e diminuída. Vivia literalmente entre dois
medos : o de ir antes de ti e o de ir depois de ti. São estas as escolhas
terríveis da nossa idade: ir antes ou ir depois. Qual das escolhas
é a pior? Não há imaginação que decida.(...)
S. Pedro do Estoril, 9 de Agosto
De
regresso a casa, olho para uma estante: cada livro, cada objecto liga-me a um lugar
onde foi adquirido - contigo. Um lembra-me Edimburgo, outro, Londres, outro,
ainda, Estocolmo. Não é possível separar-me de ti.
A separação, o
tormento de quem fica. A impossibilidade de esquecer, de não ter o mundo onde tudo era a dois. Quer lembrá-la todos os dias. É a sua memória viva e dela não pretende abdicar. Exige-se só, apenas com ela.
Escrita
íntima e dolorosa. Bela no desenho do sentir e na comoção que enforma as
palavras.
Eugénio Lisboa está de luto e, com ele, ficamos todos nós.
Eugénio Lisboa está de luto e, com ele, ficamos todos nós.
Roland Barthes iniciou
também um "Journal de deuil", no dia seguinte
ao da morte de sua mãe, 25 de Outubro de 1977 e terminou-o a 15
de Setembro de 1979.Tinha cuidado da mãe, ao longo da doença que a vitimou.
Entregou-se inteiro a essa missão. Com o seu desaparecimento, tudo acabou. A
morte da mãe trouxe-lhe um sofrimento intenso e inseparável. Não a queria
esquecer. Não queria regressar ao tempo em que era ela que cuidava dele. Queria
manter as limitações que a doença da mãe lhe tinha imposto. Não pretendia
os ritos do consolo: os pêsames, os remédios, as viagens... Queria recordá-la para sempre.
"27 de Outubro
(...)
Cada
manhã, por volta das seis e meia, lá fora no escuro, o ruído de ferragens das
latas de lixo.
Ela
dizia com alívio: a noite finalmente acabou (tinha sofrido durante a noite,
sozinha, coisa atroz).
(...)
Todos
calculam - eu o sinto - o grau de intensidade do luto. Mas é impossível (...)
medir quanto alguém está atingido por ele.
29 de Outubro
Ideia -
assombrosa, mas não desoladora - de que ela não foi "tudo" para mim.
Sem ela , eu não teria escrito uma obra. Desde que eu cuidava dela, há
seis meses, efectivamente ela era "tudo" para mim, e esqueci
completamente que havia escrito. Eu estava totalmente por conta dela. Antes,
ela fazia-se transparente para que eu pudesse escrever.
(...)
Tomando
estas notas, confio-me à banalidade que há em mim.
(...)
Os desejos
que tive antes da sua morte (durante a sua doença) agora não podem mais
ser realizados, pois isso significaria que é a sua morte que me permite
realizá-los - que a sua morte poderia ser, em certo sentido, libertadora
em relação a meus desejos. Mas a sua morte mudou-me, já não desejo o
que desejava." Roland
Barthes, in " Diário de luto", Edições 70
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