"- Quando me conhecer melhor, meu amigo, compreenderá como nasceram os meus romances. Já ouviu certamente falar daquelas raparigas, ardentes e loucas, que vão ter com um homem que admiram e lhe dizem: " Quero ter um filho de si..." Bom ...Imagine agora que uma mulher me tenha dito: " Quero ter romances de si", e não estará longe da verdade. Cedi. Cede-se sempre. O papel de José é humilhante. Eu...hum...pequei portanto várias vezes, e os meus romances nasceram dessas fraquezas...Mas não posso dizer que tais caprichos contem muito aos meus olhos.
- E o que é que conta aos seus olhos?
- O que é que conta?
Guillaume Fontane brandiu a bengala para as nuvens.
- Pois bem ! antes de tudo, o prazer de pensar...Não para escrever...Mas para si, lendo os pensadores...O que é que conta? Vadiar numa bicicleta, abrir um livro ao acaso, cair ao voltar de uma página sobre uma frase que me encanta; reler um autor que foi o companheiro da minha juventude ; ter a alegria de o encontrar novo, e intacta a minha emoção... O que é que conta? A amizade. Não a amizade ciumenta; a amizade que fosse estima mútua, acordo de duas sensibilidades; sobretudo a amizade entre homem e mulher, aquecida pela sensibilidade sem ser...hum...calcinada pelo ciúme.
- E não gosta do seu trabalho?
- Decerto ...Mas exactamente , gostaria de engendrar , em anos de laboriosa preguiça, uma curta obra-prima: Cândido ou as Flores do Mal...Gostaria de acumular lentamente máximas e caracteres. Escrevemos todos demasiado. Não é que seja esse o nosso desejo. Mas somos levados a isso. E é preciso viver. Ora espere, meu bom amigo, como vai abraçar essa carreira - já que lhe chamam agora uma carreira - indicar-lhe-ei algumas regras de moral provisória... Não as seguirá; eu próprio não as sigo; mas não somos excelentes lá por isso...Não viva em Paris...Venha cá de vez em quando, para estudar mundos que precisa de conhecer, mas trabalhe na solidão. Nunca veja um editor nem um director de jornal. Corresponda-se com eles, se for necessário; não faça caso nenhum dos seus gestos nem dos seus conselhos...Não se ocupe com o valor mercantil de um livro. Boileau dava os seus livros a Claude Barbin; não lhos vendia e , se dizia de Racine:
Sei que um nobre espírito pode, sem vergonha e sem crime, obter do seu trabalho um tributo legítimo...
era por...hum.. indulgência de amigo que, lá muito no fundo do coração, desaprovava...Nunca escute os conselhos de uma esposa, nem de uma amante, nem de um adulador...Publique pouco. Abra só a mão quando estiver cheia. E sobretudo ponha todos os cuidados na forma... a fó-orma, meu amigo, a fó-orma... Só ela garante a duração das obras. O tema não é nada. Teócrito anotava as conversas de algumas donas de casa; Cícero advogava maçadores processos administrativos; Pascal mantinha com jesuítas, saídos da sua imaginação, uma controvérsia hoje defunta. Todos estes homens se fazem ler , após séculos, pelo vigor da forma...Só ela põe, na vida, a marca do homem...Mais vale escrever um poema do que um romance...Aí tem , e eu escrevo romances que estão longe de ser poemas. Mas não gosto deles, meu amigo; saiba que não gosto deles. Video meliora proboque...
Tinha proferido toda esta tirada com paixão, enxotando com a bengala as pedras do caminho."
André Maurois, in " As rosas de Setembro", Editora Livraria Bertrand, pp.14,15,16.
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