O meu país
sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém
ignora que não é grande,
nem
inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta
voz doce
de quem
acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente
falei do meu país, talvez
nem goste
dele, mas quando um amigo
me traz
amoras bravas
os seus muros
parecem-me brancos,
reparo que
também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade, in "O Outro Nome da
Terra", Fundação Eugénio de Andrade
Onde o tempo não é dissolvido mas dura
E cada instante ressoa nas paredes da esquina
E o rosto loiro de Laura aflora na janela
desencontrada
E o apaixonado de testa obstinada como a de um
toiro
Em vão a procura onde ela nunca está
— É aqui que
ao passarmos a nossa garganta se aperta
Enquanto um homem alto e magro
Baixando a direito o chapéu largo e escuro
De cima a baixo se descobre
Ao transpor o limiar sagrado da casa
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “O Búzio de Cós e outros poemas”,
1997,Editorial Caminho
Por um país
de pedra e vento duro
Por um país
de luz perfeita e clara
Pelo negro da
terra e pelo branco do muro
Pelos rostos
de silêncio e de paciência
Que a miséria
longamente desenhou
Rente aos
ossos com toda a exactidão
Dum longo
relatório irrecusável
E pelos
rostos iguais ao sol e ao vento
E pela
limpidez das tão amadas
Palavras
sempre ditas com paixão
Pela cor e
pelo peso das palavras
Pelo concreto
silêncio limpo das palavras
Donde se
erguem as coisas nomeadas
Pela nudez
das palavras deslumbradas
- Pedra rio
vento casa
Pranto dia
canto alento
Espaço raiz
e água
Ó minha
pátria e meu centro
Me dói a lua
me soluça o mar
E o exílio se
inscreve em pleno tempo
Sophia de
Mello Breyner Andresen, in 'Livro Sexto',Ed. Caminho
O portugal
futuro é um país
aonde o puro
pássaro é possível
e sobre o
leito negro do asfalto da estrada
as profundas
crianças desenharão a giz
esse peixe da
infância que vem na enxurrada
e me parece
que se chama sável
Mas desenhem
elas o que desenharem
é essa a
forma do meu país
e chamem elas
o que lhe chamarem
portugal será
e lá serei feliz
Poderá ser
pequeno como este
ter a oeste o
mar e a espanha a leste
tudo nele
será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos
plátanos as crianças dançarão
e na avenida
que houver à beira-mar
pode o tempo
mudar será verão
Gostaria de
ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era
o passado e podia ser duro
edificar
sobre ele o portugal futuro
Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]', Assírio&Alvim
L'Eté au Portugal
Que esperar daqui? O que
esta gente
não espera porque espera
sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e
lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e
a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?
é o pó de raiva com que se envenenam?
Emigram-se uns para as Europas
e voltam como eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.
e voltam como eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.
Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.
Que espera se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
- mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?
Chatins engravatados, peleguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem pernas - e como cães sem faro
os pilha poetas se versejam trúfias.
Velhos e novos, moribundos mortos,
se arrastam todos para o nada nulo,
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais simples pulo.
Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.
(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende)
Lisboa, Agosto 1971
Jorge de Sena, Versos e alguma prosa de Jorge de Sena, prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa, co-ed. Arcádia e Moraes, pp.116-117
O Douro preso em barragens
Soube a definição na minha infância
Mas o tempo apagou
As linhas que no mapa da memória
A mestra palmatória
Desenhou.
Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar.
Miguel Torga, in " Portugal (1950) -Antologia Poética" , Círculo de Leitores
sobre a minha cidade
sobre a minha cidade, falei-te ontem mostrei-te
as esquinas do tempo, a imagem de fachadas
que ainda conheci, de outras que
eu próprio ignorava; sobre
a minha cidade e suas pedras, seus espaços
de árvores graves; e o que foi arrasado,
ou está a desfazer-se; as manchas do po presente, a
poluição dos homens; e o que foi
violentamente arrancado por negócios sucessivos,
erros, brutalidades: o que era e o que foi
o que é dentro de mim o seu obscuro,
imaginário se: costumes e conflitos,
maneiras de falar, a gente
e a confusão das ruas, as casas do barredo;
sobre a minha cidade achei que tu
tiveste gratidão, a viste.
que percorreste as pontes que da minha
cidade a ti me trazem, entre
gaivotas alastrando e músicas diferentes,
e foste nascer nela.
Vasco Graça Moura, in " os rostos comunicantes - poesia reunida-vol. 1", Quetzal Editores, p.283
O Reino Lusitano
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa , toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá, na ardente
África, estar quieto o não consente.
Esta é a ditosa Pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne , com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela, antam, os íncolas primeiro.
Luís de Camões, in " Os Lusíadas- Canto III ",Emp. Literária Fluminense, LDA.
O Douro preso em barragens
Verde tão verde e as
árvores no fundo.
No fundo os rápidos que de água se quebravam
subindo à sirga em de rabelos barcos.
Mais baixas as alturas se reflectem calmas
de rochas casas e arvoredo fundo.
Verde tão verde o rio se
não corre
de lago é preso e um barco noutra margem
parado se contempla a esbelta proa arqueada
sobre o telhado inverso do solar antigo.
Só brisa matinal se encrespa de água e morre.
Verde tão verde era de
espuma e rocas
polindo-se tranquilas no fiar das águas.
Vinham descendo os montes em socalcos que
lambidos se inseriam no passar dos barcos.
No fundo como nuvens se enverdecem rocas.
Verde tão verde era de
rijas águas
de espumas e de pedras e de alteadas margens.
Tão verde ora de névoa surda
em que de gritos não barqueiros remam.
Que rio se era escuro e já de verdes águas.
Parado e sempiterno e
velho de águas rio
não passas repassando as águas de outro tempo,
verde tão verde na manhã parada.
(Douro, 30/8/1971)
Jorge de Sena, in “ Exorcismos”, Círculo de Poesia, Moraes Editores
PátriaSoube a definição na minha infância
Mas o tempo apagou
As linhas que no mapa da memória
A mestra palmatória
Desenhou.
Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar.
Miguel Torga, in " Portugal (1950) -Antologia Poética" , Círculo de Leitores
sobre a minha cidade
sobre a minha cidade, falei-te ontem mostrei-te
as esquinas do tempo, a imagem de fachadas
que ainda conheci, de outras que
eu próprio ignorava; sobre
a minha cidade e suas pedras, seus espaços
de árvores graves; e o que foi arrasado,
ou está a desfazer-se; as manchas do po presente, a
poluição dos homens; e o que foi
violentamente arrancado por negócios sucessivos,
erros, brutalidades: o que era e o que foi
o que é dentro de mim o seu obscuro,
imaginário se: costumes e conflitos,
maneiras de falar, a gente
e a confusão das ruas, as casas do barredo;
sobre a minha cidade achei que tu
tiveste gratidão, a viste.
que percorreste as pontes que da minha
cidade a ti me trazem, entre
gaivotas alastrando e músicas diferentes,
e foste nascer nela.
Vasco Graça Moura, in " os rostos comunicantes - poesia reunida-vol. 1", Quetzal Editores, p.283
O Reino Lusitano
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa , toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá, na ardente
África, estar quieto o não consente.
Esta é a ditosa Pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne , com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela, antam, os íncolas primeiro.
Luís de Camões, in " Os Lusíadas- Canto III ",Emp. Literária Fluminense, LDA.
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