Por Adriano Moreira*
"A questão do terrorismo ganhou, nesta entrada do século sem bússola, um relevo que, entre os efeitos colaterais, inscreve o de remeter, para uma espécie de esquecimento, que esta metodologia do terror se desenvolve numa conjuntura de conflitos que, a partir do Relatório do SIPRI (Stockolm International Peace Researche Institute) de 2013, preencheu o que foi chamado "a lista da infâmia". Sem evitar a difícil tentativa académica de classificar, por intervenientes nos combates, as novas formas de guerra, a unificação de todas tentou-a na análise e inventariação dos efeitos, no que respeita ao número pavoroso de mulheres, crianças, refugiados atingidos, isto é, nas consequências humanas dessa diversificação da violência em que o terrorismo assume, na intervenção mundial, o primeiro lugar.
Na guerra clássica, as vítimas humanas eram sobretudo militares, mas o também chamado agora "grande jogo" acumula factores internos explosivos, que no continente africano parecem reeditar o trajecto que foi chamado a rota colonial do Cabo ao Cairo, abrangendo Magrebe islâmico, a República Centro-Africana, a Costa do Marfim, a Líbia, a Mauritânia, o Mali, o Ruanda, o Senegal, a Somália, o Sudão, somando-se os múltiplos conflitos na Ásia, avultando o Afeganistão, Caxemira, Myanmar, as Filipinas, o Tadjiquistão, a Tailândia. Vivemos uma chamada ordem internacional que não exibe qualquer autoridade suficientemente respeitada para impedir que seja a anarquia armada aquela que mais domina a vida e morte das gerações de talvez metade dos representados na ONU, com um Conselho de Segurança que não pode agir contra a vontade de qualquer titular do veto, um Conselho Económico e Social cuja opinião ninguém solicita, e que até parece ter desaparecido da memória dos Estados. Estados esses que são os mais atingidos pelos conflitos interestaduais, proliferando a violência interna, enquanto na Europa o que mais se discute é o euro ou a crise da moeda única, e não o conjunto de ameaças que visam a fronteira de interesses, destacando-se os movimentos terroristas que incluem valores religiosos no proclamado conceito estratégico. Em suma, como foi frequentemente sublinhado até pela imprensa, desde 1990, segundo as conclusões do SIPRI, a gravidade dos conflitos armados diminuiu depois de terminar a Guerra Fria, mas, tal como puseram em evidência estudos do nosso Instituto de Estudos Superiores Militares, a tipologia desses conflitos mudou.
O mais grave, e violando os diplomas que regulam as relações internacionais, e sobretudo a paz, é a terrível mudança no que respeita às vítimas que são mulheres, povos em fuga, crianças, de modo geral populações civis atingidas. Foi esta estatística que recebeu a designação benévola de "lista da infâmia". Uma lista que leva a repensar a tendência de privatizar a segurança e defesa, a eliminar profissionais que desde o fim da guerra de 1939-1945 foram chamados os "cães de guerra", e sobretudo a origem das armas, em regra chamadas ligeiras, que não faltam aos que exercem a violência, e que seguramente não são donativos dos fabricantes e fornecedores. Números aleatórios, que identificam entre os fornecedores mais em vista alguns Estados que pertencem aos chamados BRICS, embora se adiante que as armas em uso pelos movimentos insurgentes provêm também de Estados falhados ou da pilhagem. O secretário-geral da ONU, por intermédio do relatório do seu representante para as crianças e os conflitos armados, aponta "as seis violações mais graves" dessas crianças: raptadas, mortas ou mutiladas, violências sexuais, recusa de acesso humanitário, recrutamento ou emprego de soldados crianças, ataques dirigidos contra escolas e hospitais. A Convenção de Direitos das Crianças de 1989, ratificada com exceção dos EUA, da Somália, do Sudão do Sul e da Palestina, não impediu, segundo a Amnistia Internacional, que em 2013 existissem 300 mil crianças--soldados, quando o seu secretariado (2011) fixou em 18 anos a idade legal de incorporação nas forças armadas. Esta a componente mais repugnante que foi chamada Lista da Infâmia."Adriano Moreira , Crónica publicada no DN, em 18.02.2014
*Professor Universitário
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