Crónicas da Infâmia
4 – De 2014. O Ano da
DOR
Gostava
de escrever belas frases e de tecer louvores a 2014. Não o faço. Não porque as
palavras me falhem , mas apenas porque renitentes não se juntam em frases
belas. E os louvores escondem-se e quase me esconjuram por os querer ligar a
2014. E teimo em querer entender por que assim acontece. 2015
aproxima-se. Estará aí dentro de poucas horas.
Retomo
2014 e, em jeito de revisão, concluo que se trata de um ano que pretendemos expulsar. Se tivéssemos que apor sentimentos a
cada ano que passa, este conjuga bem com Dor. Não porque o escrevo na primeira
pessoa. Experimentei dores fundas que não conhecia. É verdade. Uma verdade
muito dura e muito real. Foram dores que deixaram marcas e que passaram a
integrar o meu espólio vivencial. A dor sofrida na primeira pessoa é uma dor
que não é falante, que não se traduz em palavras. No entanto, não é essa a
razão por que 2014 poderá ser o Ano da Dor. Não. A dor é um sentimento forte
que não se confina ao coração. Ela invade-nos por dentro e não se deixa
esconder. Desgarrada mostra-se aos outros. A quem a quiser ver. A quem não tem
a capacidade de tornar invisível o que não quer ver. E eu vi-a por aí.
Espalhada em milhares de rostos. Nos olhos vazios de tanta gente. A dor da
guerra, a dor da fome, a dor dos espoliados , a dor do fracasso, a dor da
perda, a dor da doença, a dor da solidão, a dor do abandono, a dor da velhice, a dor da exploração, a dor da morte, a dor de um país onde
a esperança definha sem sonhos de futuro. A dor que estatiscamente não é dor.
Após
um 2013 que foi a imagem da revolta feita Raiva, 2014 cristalizou-se em
Dor. A revolta, a raiva de tanta perda, de tanta injustiça que foi grassando
transformou-se numa dor que se vestiu de escuro. Não há diferentes e
variadas dores. Quanto a mim existem várias causas para a provocar. Ela surge
no grau de intensidade correspondente à causa que a fez emergir e tendemos a
atribuir-lhe esses epítetos . Assim as acabei de nomear.
Henry de Montherlant, um dos maiores e fecundos escritores franceses, escreveu um livro
admirável, “ O caos e a noite”. Toda
a espantosa arquitectura deste romance me tocou profundamente. Há uma frase que quero destacar, aqui e agora. Rica, expressiva, genial supera e encerra mil frases em poucas palavras. Representa o que se acaba e pretende afirmar. Refere-se ao olhar de Pascualita,
uma das personagens, filha do herói Celestino Marcilla . Ei-la: "(…)
fitando-o com o olhar com que a pantera olha o domador ( de pupilas cheias de
coisas destruídas).”.
É
isso. “ de pupilas cheias de coisas destruídas” é o olhar
de 2014. Foi o resultado de tanta
afronta que, ao longo destes anos, caiu em 2014. A dor de 2014 é essa. A
dor que resulta da perda da raiva
domada.
2014
é a dor da ausência da Dignidade, do roubo que lhe fizeram. É a maior dor . Aquela
que debilita e anula qualquer ser humano.
E
que não há maior infâmia, não há!
Que venha 2015.
Que venha 2015.
Praia
da Rocha , 31 de Dezembro de 2014
Maria
José Vieira de Sousa
Mais uma vez e excelente
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