" Então ouvia a chuva. Ouvir era uma absoluta atenção às coisas. Tudo ficava suspenso, no vazio. E depois o som acontecia: a chuva, o vento, o mar. O vento nas folhas, no caminho da terra, nos telhados, na chuva. Agora ela ouvia a chuva, as formas fugidias da água( a música, não a da chuva, a música em si mesma, era líquida ou aérea? Líquida, supunha . Sobretudo líquida, diria).
Mas ouvir não era separado de ver, sentir, ou entender. Nem se podia ouvir, de cada vez, uma coisa isolada, sem dar conta de que havia em volta um contexto que depois fazia ressaltar, exageradamente nítida nos contornos, cada coisa de per si. E também não se podia ouvir uma só vez, queria-se sempre ouvir mil vezes , depois disso.
As muitas vozes das coisas. Vozes de Bach, jogando umas com as outras, cruzando-se, convergindo, divergindo. Puro jogo, como o do mar e das ondas. Assim o mundo era feito." Teolinda Gersão, in " Os Teclados" 1999, Ed. Sextante.
Esta obra recebeu o Prémio Fernando Namora e o Prémio da Crítica da Associação Internacional dos Críticos Literários.
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