“À aldeia
chamam-lhe Azinhaga, está naquele lugar por assim dizer desde os alvores da
nacionalidade ( já tinha foral no século décimo terceiro) mas dessa estupenda
veterania nada ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado(…).
Foi nestes
lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando ainda não tinha dois anos, que meus
pais, migrantes empurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, para
outros modos de sentir, pensar e viver, como se nascer onde eu nasci tivesse
sido consequência de um equívoco do acaso , de uma casual distracção do
destino, que ainda estivesse nas suas mãos emendar. Não foi assim.
(…) Durante
toda a infância , e também os primeiros anos da adolescência , essa pobre e
rústica aldeia (…) foi o berço onde se completou a minha gestação, a bolsa onde
o pequeno marsupial se recolheu para fazer da sua pessoa , em bem e talvez em
mal, o que se só por ela própria ,
calada, secreta, solitária, poderia ter sido feito.”
José Saramago,
in “ As Pequenas Memórias”, Ed. Caminho, 2006
A Fundação José Saramago vai celebrar
hoje os 90 anos do
nascimento do escritor promovendo o primeiro "Dia do Desassossego",
que a entidade pretende transformar numa festa cívica e da cultura.
A programação
para celebrar o 90 aniversário, desenhada pela Fundação, instalada na Casa dos
Bicos, em Lisboa, pretende "desassossegar" os leitores,
incentivando-os a saírem à rua com a obra "O Ano da Morte de Ricardo
Reis".
Nascido em
1922, na Azinhaga, José Saramago - distinguido com o Nobel da Literatura em
1998 - viria a falecer em Lanzarote, em 2010, com 87 anos.
Para a
celebração dos 90 anos de Saramago - que coincide com o 30 aniversário da
edição do "Memorial do Convento" - a Fundação José Saramago organizou
uma série de eventos, que começam a partir das 12:00 de hoje.
O grupo de
teatro Éter vai recriar nessa altura algumas passagens do romance
"Memorial do Convento", em frente à Casa dos Bicos, e Jorge Baptista
da Silva cantará árias de Domenico Scarlatti, o compositor da corte de D. João
V, a que a obra de Saramago se refere, num espectáculo dirigido por Vera
Barbosa.
A Fundação
José Saramago, que tem hoje e sábado entradas gratuitas, apela aos leitores que
devem recordar e inspirar-se nas palavras do Prémio Nobel: "Escrevo para
desassossegar os meus leitores".
Com esse
espírito, os apreciadores da obra de Saramago, e também de Fernando Pessoa,
autor de "O Livro do Desassossego", são convidados a sair à rua com
as obras para ler e partilhar.
As janelas e
varandas da sede da Fundação José Saramago vão estar decoradas pelo pintor José
Santa Bárbara, com figuras do romance, como Blimunda, Baltazar ou frei
Bartolomeu de Gusmão e, no interior, estará uma exposição de retratos do
escritor, da autoria de nove ilustradores portugueses e espanhóis.
Ainda no
âmbito da programação dedicada à data, excepcionalmente, o Teatro Nacional de
São Carlos vai abrir as portas no ensaio geral, às 18:00 de hoje, do concerto
da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do coro do teatro, que reúne no programa o
"Requiem", de Fauré, e "Sinfonia Fantástica", de Berlioz.
O sítio
online Bookoffice, da Booktailors, um grupo de consultores editoriais que
atribuem prémios no sector, associa-se às comemorações dos 90 anos do nascimento
de Saramago publicando um conjunto de conteúdos para "homenagear o legado
do único autor português galardoado com o prémio Nobel de Literatura".
Lusa
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