Prenda
Ó meu amor,
que prenda
Devo dar-te
quando amanhecer?
Uma canção da
manhã?
Mas a manhã
não dura sempre –
O calor do
sol
Murcha como
uma flor
E as canções
que cansam
Estão feitas.
Ó amigo,
quando chegaste ao meu portão
Ao crepúsculo
Que
perguntaste?
Que hei-de
trazer-te?
Uma luz?
Um
candedeeiro de um canto secreto da minha casa silenciosa?
Mas quererás
levá-lo contigo
Pela estrada
povoada?
Ah,
O vento há-de
apagá-lo.
Sejam quais
forem as prendas que te possa dar,
Que sejam
flores,
Que sejam
pérolas para o teu pescoço,
E como te
podem agradar
Se com o
tempo hão-de murchar,
Desfazer-se,
perder o brilho?
Tudo o que as
minhas mãos pudessem colocar nas tuas
Deslizará
entre os dedos
E cairá
esquecido no pó
Para em pó se
tornar.
É melhor,
Quando
estiveres ociosa,
Que deambules
pelo meu jardim na primavera
E deixes um
aroma de flor desconhecido e oculto sobressaltar-te com súbito encanto –
Deixar esse
momento deslocado
Ser a minha
prenda.
Ou se, quando
perscrutares a sombria avenida por onde caminhas,
De repente,
enfeitiçada
Pelas
espessas tranças do anoitecer
Um simples e
trémulo reflexo da luz do poente te detiver,
Transforma os
teus sonhos em ouro,
E deixa que a
luz seja uma inocente
Prenda.
O mais
autêntico tesouro desaparece;
Brilha um
instante, e depois vai-se.
Não diz o seu
nome; a sua melodia
Barra-nos o
caminho, a sua dança desaparece
Com o estremecimento
de um tornozelo.
Não conheço
outra maneira –
Nenhuma mão,
nenhuma palavra o pode alcançar.
Amiga, leves
o que levares,
Sozinha,
Sem
perguntar, sem saber, deixa que
Seja tua.
Qualquer
coisa que eu te possa dar é insignificante –
Seja uma
flor, seja uma canção.
Rabindranath
Tagore, In “Poesia”, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, selecção e tradução de
José Agostinho Baptista
... "A manhã não dura sempre",... tal como a lanterna que se leva acesa para iluminar o caminho, pela noite adentro, quando se vai de jornada...
ResponderEliminarTambém a luz bruxuleante e tremida da candeia, tende a apagar-se com frequência, querendo-nos dizer que as mais das ocasiões ignoramos que a fragilidade é a vestimenta que mais vezes usamos, a que mais dura nos dias, para que nos vejam fortes, sãos, inquebráveis, quando nunca o fomos, nem o seremos... Rabindranath Tagore muito cedo compreendeu que era assim. Somos a fragilidade metamorfoseada de fortaleza e perenidade. Para sobrevivermos.
E Tagore nos recorda a nossa mágica beleza e o nosso passamento, a cada passo, através da sua poesia sublime, sábia, uma poesia de todo o tempo e para além do tempo.