Acordas líquido no teu sangue sobre meu sangue
de asas paradas
Acordas distante e próximo e cantas-me o cântico sem fundo
Cantar amigo inimigo cantar dobrado que desde a infância
escutei
E amo-te amo-te sem saber o objecto amado
Sem esquecer todo o óleo derramado em tuas mãos pesadas
De bens que não são os meus
E contudo tudo é amor incoerente e real e que se reconhece
Sem coragem de romper os linhos do amanhã
E não te amo não não se ama esta ferida de mistério
que se sente em já saudade de barro húmido
lavrando no beijo a secura da humilde pele
E eu sei o que é amar e ser amada meus olhos limpos
não dizem adeus.
E os deuses não esperam
Matilde Rosa Araújo, In "Voz Nua", Ed. Livros Horizonte
Que oportuna, composição neste "post"!... Um quadro de notável pintora Paula Rego que nos revela uma mulher por terra, com todo o aspecto de vencida, talvez vencida por uma paixão inadiável, que a consome implacavelmente, por um amor distante e não confortante como esperava, uma grande amor como aqueles que nada podem esperar porque o amor urge como desejo e plenitude, imperiosamente, o amor tem de cumprir-se, dê por onde der. Depois, o
ResponderEliminarbelo poema da Matilde (Rosa Araújo) onde se sente o pulsar sensual de uma mulher que se consome num amor partilhado, inconsútil, tão disseminado e quente que rompe a sua própria carne esculpida no enlevo do vivido, mas incerto, já em desprendimento em vias de dissolução e se deixa sangrar num amor que desejava eterno e definitivamente correspondido por grande demais talvez para o seu corpo, para afinal lhe ser devolvido em desespero, como ela sabe que o é, em preparado de amor "incoerente e real" !... (Já aqui neste espaço - em tempo - dedicámos a Matilde Rosa Araújo, algumas palavras embuídas de uma saudade jamais mitigada... Recordamo-la com imensa saudade!...)