sábado, 14 de abril de 2012

Magnificat


Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia !

Álvaro de Campos, in "Poemas"  Poesia de Fernando Pessoa, Edições Ática 

4 comentários:

  1. Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa), queixa-se do seu peregrinar errante, da noite imensa do seu desconhecimento, do seu sofrer sem despertar e sem proveito algum, do seu "dia" que tarda. Eis o poeta sofrido, esmagado pela teatrealização de uma vida sem norte, ele que espera desesperando e se interroga quanto o seu "zenit", para quando a sua plena realização pessoal e metafísica, e o regressar à sua "casa" de aurora. Pelo amanhecer espectante, da aprendizagem plena e eterna... Ah!... Só quando todos os perplexos enigmas lhe forem confiados e por ele decifrados, quando a noite imensa se sumir e um sol radioso o conforte e encha de plenitude e sabedoria. Quando?...

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  2. A busca... Essa tarefa constante do ser humano. Quando é que o contentamento chega com plenitude? Estar a procurar... A falta de norte e direcionamento deixam o "SER" sentindo a ausência de um "sol radioso" capaz de aquecer a alma e trazer alegria e brilho para os dias sombrios.

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    1. Belo, muito belo o que Dalva Eline escreve!... O enigma do ser, o enigma do estar, o último enigma, o de deixarmos de estar!...

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  3. como explicar este gato que fita com os olhos e a personagem josué?

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