" Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário ( chamava-se ele Silvino) estava bêbado ( por despeito , disso o acusaria sempre meu pai) , e que , sob efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais tiveram de arrastar as obcesnas alcunhas de Pichatada, Curroto e Caralhana. Entrei na vida marcado com este apelido Saramago sem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando , para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua e crua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem , desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando , chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis , a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimidado, e para que tudo ficasse no próprio , no são e honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome , passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso , na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa."
José Saramago, in " As pequenas Memórias", Editorial Caminho, Outubro de 2006
Muito disto, de trocas e baldrocas no âmbito onomástico, terá ocorrido pelos Registos Civis do nosso país ao longo de décadas, direi mesmo de séculos, sem qualquer dose de exagero!... Troca de apelidos, alteração do nome próprio pretendido, proibição pelo Conservador/a de colocar nomes pouco usados ou esquisitos quando pronunciados, acrescentamento de alcunhas por que eram conhecidas as famílias, a omissão de apelidos verdadeiros também, e... o mais frequente - para evitar as morrinhentas multas... - a troca de datas de nascimento, quer do dia, quer do mês, e até do ano!... O caso mais grave e inimaginável que me passou pelas mãos, foi o de uma senhora que só a registaram 10 anos depois de nascida!... Aos setenta anos, idosa e já muito doente, queria reformar-se e... a Segurança Social informou-a que tinha de trabalhar mais 5 anos para o efeito, e assim somente se poderia libertar do exercício da sua profissão aos 75 anos, por via legal. Escusado será dizer, que a única maneira de contornarem a situação - dado o precário estado de saúde da mesma... - foi ser reformada por invalidez aos 72 anos, representados no bilhete de identidade por 62 anos, apenas. Coisas que os Registos Civis e o pouco cuidado das pessoas, inclusive de familiares, durante muitos e muitos anos foram tecendo... Saramago, pois, não é caso único!
ResponderEliminarAo ler como Saramago, por erro de registo, deu o nome ao pai, lembrei-me da história da Prantelhana que, pela forma como ouvi da minha avó, teria ocorrido no tempo da monarquia, quando os assentamentos eram feitos nas paróquias. Um pai, questionado sobre o nome que queria dar à filha recém-nascida, teria respondido Prante-lhe Ana, senhor Prior. E ficou Prantelhana para toda a vida.
ResponderEliminarMas o que queria aqui deixar, a propósito das trocas e baldrocas referidas por Varela Pires e as suas consequências, era um episódio em que fui interveniente.
Há umas dezenas de anos, bastante antes dos telemóveis, após um despiste automóvel, eu e mais as duas acompanhantes – a minha sogra e uma das minhas sobrinhas – demos entrada no hospital de S. José, com ferimentos ligeiros. Como escorríamos sangue das faces – na altura não se usava cinto de segurança – fomos encaminhados respetivamente para o banco dos homens e das mulheres, fazendo-se depois o registo.
Em determinada altura chamam pelo nome da minha mulher (que não fazia parte da história nem estava presente) para fazer uma radiografia. Que se passa, aqui? Rebobinei os acontecimentos e descobri: aquando do preenchimento da minha ficha o funcionário perguntou o estado civil, eu respondi casado, e de seguida me pediu o “nome da senhora”, eu dei o nome da minha mulher, e por aí fora, a data de nascimento, etc. Realmente estranhei ter-me sido perguntado o estado civil dela, o que provocou a resposta “se eu sou casado com ela, ela será casada comigo, não acha?”. E ficámos por ali.
Identificada a troca de nomes e para não originar mais confusão, disse à minha sogra para corresponder sempre que chamassem pela filha. Não pensando em consequências.
O problema surgiu quando, umas horas depois do acidente, já todos tínhamos saído, a minha mulher e uma amiga chegaram ao hospital para se inteirarem do nosso estado de saúde. Eu e a minha sobrinha tínhamos sido tratados e tido alta e a minha sogra não constava. Para uma, não tinha dado entrada porque não estava ferida. Para a outra, porque tinha ido diretamente para a morgue.
Esta é a história de quando a minha mulher deu o nome à mãe.