Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura.
Duma espada à bainha dum cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.
Natália Correia, in " Dimensão Encontrada", 1957, "Antologia Poética", Ed. D.Quixote, 2002
Natália Correia, poeta das maiores que o Portugal contemporâneo teve, não poderia ter escrito melhor: "Há noites que nos deixam para trás..." E assim é! E atravessamos essas noites por vezes heróicamente, com as forças que nunca suposemos possuir!... Levando connosco Natália nunca uma só "noite nos deixou para trás"!... Lembrar hoje Natália, os seus Açores, os seus livros, a sua famosa biblioteca, os seus fiéis amigos, o seu célebre e preenchido "Botequim", o Dórdio Guimarães por fim... Lembrar tudo aquilo que a sua "Matriarca" englobava, toda a força telúrica dessa grande Mulher dotada de uma personalidade muito forte, que sabia impor-se sempre, estivesse onde estivesse. É que onde ela estava "enchia" uma casa, um espaço público, enchia os outros, enchia uma rua, um plenário, uma cidade, um país, enchia o mundo, enchia tudo de inteligência, espargindo para longe toda a mediocridade, todo o medo, toda a mesquinhez!... Adorava falar com a gente moça, os jovens de então! Aplauso, pois, para Natália Correia, para todo o sempre!
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