quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Diz-me assim devagar


Love Story
Nunca encontrámos
o lugar onde o amor se forma.
Tentámos, aceitando os desencontros.
dançámos em torno,
arrepiámos uma breve carícia,
separámo-nos
sem descobrir o que haveria a descobrir,
o que haveria a atravessar:
uma montanha, um túnel,
ou mina ou arco
de uma ponte.
Agora contemplo uma cama
vazia
flutuando numa barragem
longe do luar
que poderíamos ser.
Muitas coisas se partilharam,
as palavras não eram pedras,
o vento alguma vez
nos juntou os cabelos.
Nunca encontrámos
o lugar onde o amor se arma
Foram pedaços de muita coisa:
quando os queria colar
sempre algum era arrastado pela chuva,
sempre algum se perdia em lençóis de sombra.
A imagem de cada um de nós
nunca foi suficiente
para criar no outro o relâmpago,
o pássaro ígneo, delirante.
Nunca encontrámos
o percurso das águas,
o lugar onde o amor se firma.
Egito Gonçalves, in  «E No Entanto Move-se»,Quetzal Editores, 1995

Fidelidade
Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como outra solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.
Jorge Sena.,in «Poesia vol. I e II», Edições 70, Lisboa 1988

1 comentário:

  1. Dois poemas demasiados belos sobre o Amor, um de Egito Gonçalves, o outro de Jorge Sena. Qual deles o mais belo, a verdadeira síntese deste sentimento?!... Qual o que aprofunda melhor o Amor neste riscar insone da vida?!... No primeiro, o Amor, suavemente procurado e partilhado, idílico, como quem é conduzido pela mão de alguém... - ... Ia pelo caminho e perguntava... - No último poema, o Amor vocativo, de experiência amassado, revolto, sofrido, já chorado, exigente, olhado, explicativo, mesmo quando explicação alguma possa servir... - eu e tu, quem somos, ou me perdoas as arestas de papel rasgado, ou desatina, que não te quero ver, quando muito indagar onde estiveste, saber por onde tens andado... -

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