quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Que Europa se espera desta Europa?

Quem está por detrás de Merkel?
                         por BAPTISTA-BASTOS
"Que Europa se espera da Europa, depois da reverente entronização de Angela Merkel feita por essas sobras menores de "estadistas", reunidas numa cimeira tão desacreditante quanto insensata? Os que nela participaram, de regresso a seus países, proferiram declarações graciosamente imbecis e desprovidas de qualquer centelha de dignidade. A alemã foi a vencedora do conclave e parece que nenhum dos presentes deu conta rigorosa dos perigos que representa. Como lucidamente Viriato Soromenho-Marques escreveu no DN (segunda-feira, 12, pág., 8), "a senhora Merkel, mãe do monstro de pobreza e proteccionismo que quer oferecer como rosto da Europa futura, tem um problema fundamental, que é a arma apontada à cabeça de 500 milhões de europeus. A sua tacanhez mental é ainda maior do que a sua influência letal sobre os primeiros-ministros que actualmente governam a Europa. Uma medrosa selecção, que parece ter saído dos lesionados das divisões de honra dos campeonatos distritais de futebol (...)."
O projecto imperial está à vista. E tanto Helmut Kohl (CDU, o partido dela) quanto Helmut Schmidt (SPD), horrorizados com o caminho que as coisas estão a tomar, vieram a público exigir que se questionasse a verdadeira dimensão do empreendimento. Não se serviram de metáforas para esclarecer os seus pontos de vista: usaram analogias históricas a fim de agitar as cabeças quadradas dos dirigentes políticos.
Aceitando-se o facto de que a senhora Merkel ser tida e havida como tonta, quem está por detrás dela?, quais os ideólogos que a impulsionam?, quais os poderes que nos querem condenar a uma espécie de desconstrução identitária? Porque é disso que se trata, quando se desarma o princípio de equilíbrio social e se o substitui por um jogo de hegemonia do mais forte, com a decorrente submissão total do mais fraco.
A Europa, nas mãos de Angela Merkel (o pobre Sarkozy faz papel de compère resignado e cortês), favorece o aparecimento dos nacionalismos e da proeminência aguerrida do económico sobre o político. O hiato criado por estas circunstâncias faz- -nos viver na ilusão de que as previsíveis derrotas da alemã e do francês, nas próximas eleições, nos permitirão respirar melhor.
Mas a questão não reside em eleições: está nas deformidades de um sistema que conduz a tudo, até a ressurreições dos fascismos. Em causa emerge não apenas a ameaça de eliminação dos padrões, sob os quais nos habituámos a viver, como a benevolência com que estes dirigentes europeus admitem a servidão. A mediocridade circundante conduz a tudo: até à imprudente aceitação do económico, não como utensílio mas como valor absoluto. Para não irmos mais longe, basta olhar Portugal e atentar na pobreza intelectual e nas debilidades éticas e políticas dos que nos dirigem."
Baptista Bastos, in Artigo de Opinião publicado no DN de 14 de Dezembro de 2011


Um império à deriva
                  por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
"O escritor e jornalista Baptista-Bastos fez, nas páginas do DN (14 /12/ 2011), uma pergunta difícil de ser respondida: "Quem está por detrás de Merkel?" Não se trata de uma pergunta retórica, mas de um questionar sério, daqueles que se fazem quando a única certeza que nos anima é a de não termos certezas, apenas hipóteses de trabalho. Gostaria de ensaiar mais uma hipótese de resposta: Merkel representa uma ideia de Europa que se estiolou, que foi superada pela força das coisas, sem disso se ter apercebido. Representa uma Europa que avançou para o euro, não pensando ser este um instrumento para uma União política e uma verdadeira identidade europeia, mas como um mero contrato de acesso a dívida barata no mercado financeiro global por parte de Estados, bancos e grandes empresas, uma espécie de "cartel de devedores", usando uma expressão certeira do economista Jean-Jacques Rosa.
Na verdade, entre 2002 e 2010, o euro foi muito mais longe do que a facção política a que Merkel pertence, poderia supor. O euro fez parte de uma vaga de aprofundamento das cumplicidades e afinidades entre as nações, as empresas, os cidadãos europeus. Não são apenas os alunos Erasmus que se cruzaram por todas as Universidades, ou o turismo que, com o euro, se transformou em turismo interno. São também as empresas e os mercados, que se mesclaram, que se entrosaram ao ponto de já ninguém saber onde começa ou termina a nacionalidade do capital, material e humano, de muitas empresas. A crise da dívida soberana não começou quando se descobriu que um governo conservador grego falsificava as contas públicas (a novidade seria que tal não tivesse ocorrido), mas quando Merkel gritou aos mercados, durante cinco meses, o artigo 125 do TFUE (que impede o resgate de países endividados, na lógica do "cartel da dívida"). Nessa altura, a confiança perdeu-se. Dos mercados, na Zona Euro. Dos países europeus, uns nos outros. Dos bancos entre si. Dos cidadãos, nos seus sistemas políticos e na ideia europeia (cada vez mais identificada com austeridade imposta).
O império de Merkel, como Baptista-Bastos bem sugeriu, não se confunde com a sociedade alemã, que parece desejosa de a colocar na Oposição. É o império de uma facção política, transversal a todos os países europeus, que quer manter a Europa dentro de baias limitadas, onde julga poder exercer o seu poder. O seu projecto de uma austeridade infinita e irracional traduz um desejo de punir povos que ultrapassaram os limites de controlo, que a moeda comum acabou por sacudir. Mas também um desejo de regresso e regressão, como se pode verificar por esse espantoso escândalo que é o comunicado final do Conselho Europeu de 9 de Dezembro. Uma violação dos Tratados e da tradição democrática ocidental, pelo menos desde a Bill of Rights inglesa de 1689, e do "no taxation without representation", da Revolução Americana de 1776. O império, paroquial e provinciano, de Merkel - que quer continuar a alimentar a sua dívida a taxas favoráveis - não transporta nenhum futuro para a Europa, mas pode arrastá-la para o pior do seu passado. Por isso não a podemos temer, nem a devemos subestimar."
Viriato Soromenho Marques, in Artigo de Opinião publicado no DN de 19 de Dezembro de 2011

1 comentário:

  1. Quer Baptista-Bastos, por um lado, quer Viriato Soromenho Marques, por outro prisma, tocaram com saber, mestria, e com pinças cirúrgicas no cerne do problema, da ambição que está por detrás de uma velha facção ideológica alemã! Cuidado, que a velha História do século XX se pode repetir, com outros actores, enquadrada em diâmetro diferente, noutra encenação, porventura mais sofisticada, mais burilada, mais subtil, mais difícil de ser precocemente demonstrada!... Parabéns a ambos!...E a Baptista-Bastos, em especial, aquele abraço fraterno de uma camaradagem que teve um começo, uma tarde..., mas nunca mais terá fim... e a recordaremos sempre! - V. P.

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