sábado, 3 de dezembro de 2011

OUTONO


Mas quem diria ser Outono
se tu e eu estávamos lá?
(Tínhamos sono... Tanto sono!
É bom dormir ao deus-dará...)

E sobre o banco do jardim,
ante a cidade, o cais e o Tejo,
seria bom dormir assim,
ao deus-dará, como eu desejo...

Mas o teu seio é que não quis:
tremeu de mais sob o meu rosto...
Agora, nu, será feliz,
sob o afago do sol-posto...

Seria Outono aquele dia,
nesse jardim, doce e tranquilo...?
Seria Outono...
                        Mas havia
todo o teu corpo a desmenti-lo.

David Mourão-Ferreira, in "Obra Poética", Lisboa, Editorial Presença, 1996

1 comentário:

  1. David Mourão Ferreira, sempre presente!... E a sua poesia, o verso subtil, quase que magoado, perdendo-se num murmurante choro de desejo... Em especial neste poema agregado à geografia sentimental da mulher, aos contornos erotizados do nú, do corpo em chama, em vaga de lume, dos seios que são anúncio e vereda, trilho provocante, do corpo tocado, adormecido ao sol, aquecido, mas dormente na aparência, embutido em desejo e em vida. Na Poesia de David, ela, sempre ela, a mulher, a amante, a que ama e espera, a confidente, tão próximo, espectante, aguardando a implosão do Amor, o agregar indelével com toda a carga possível de ternura e afago. O corpo indesmentível, suporte, suportante de todo e qualquer sentimento.

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