Feliz Aniversário |
Sinto ainda o frémito de alegria e de medo idêntico ao que experienciei naquele dia 25 de Fevereiro. Quando entrei para a sala de partos, a cidade estava debaixo de fogo. Os rebentamentos dos morteiros ecoavam ameaçadores e as tracejantes cruzavam os ares sem rumo certo ou descortinável. Estava num país em guerra e à beira da catástrofe.
Nessa madrugada, quando acordara, sabia que estava prestes a renovar em mim o papel tutelar da maternidade. O meu filho iria nascer dentro de pouco tempo e as metralhadoras continuavam num fogo intenso que fazia estremecer as casas num desamparado ranger. Um profundo temor comprimiu-me . O convívio quotidiano com aquele cenário de guerra criara uma relação estranhamente pacificada, que se esvaía naquele momento. A consciência do risco emergiu avassaladora. A facticidade do parto projectou com terrível nitidez a imagem de uma incapacidade real em poder defender e proteger o meu filho durante o seu nascimento. E, nesse momento, percepcionei o perigo que correm todos os que nascem em tempo de guerra. A vida começa confrontada com o que ela mesma tem de indefinidamente inaugural, com a sua própria sobrevivência.
Quando o choro do meu filho ecoou na sala todos os temores desapareceram. A celebração da maternidade encheu de completude os espaços. E cumpriu-se o “duplo sentido do nascimento: por ele a vida começa ; e por ele a vida é recebida.”
Abandonámos esse país distante. O meu filho cresceu, fez-se homem. O fascínio da descoberta fê-lo voltar à cidade natal. E porque a paz já lá morava e crescia, reencontrou o chão telúrico da afirmação inicial que, até hoje, o mantém cativo.
A guerra não deixou sequelas irreparáveis na minha vida; apenas convive com as lembranças que todos os anos afloram neste dia.
Parabéns, meu filho. Feliz aniversário.
lindissimo
ResponderEliminarParabéns pela Mãe que é, pelos filhos e netos que tem, pelos valores que lhes transmitiu e continua a transmitir.
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