terça-feira, 30 de novembro de 2010

Chegou a neve

A onda de frio que assola Portugal Continental trouxe consigo as primeiras neves nas regiões acima dos 600 metros. A cidade da Guarda ficou hoje coberta de um manto branco que faz lembrar a época que se aproxima e que, como habitualmente, fez as delícias dos mais novos.
RTP, 2010-11-29 18:39:33





Se a brancura da neve tapasse as escuras marcas desta indelével crise seria um acontecimento ainda mais belo, de uma magnitude insuperável. Mas revejo as imagens de tantos " Sem abrigo" que pululam pelas ruas, abandonados, perdidos a uma sorte traiçoeira. O gelo que este tempo traz,  dar-lhes-á mais sofrimento e desconforto. Já são muitos e outros tantos serão remetidos, sem escolha alguma, para essas ruas de tanta solidão e miséria. O futuro de muita gente foi desbaratado e nestes dias de invernia,  a beleza deste manto branco é obrigatoriamente substituida pela dor de se ser apenas pobre.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Manoel de Andrade, poeta da Resistência (cont.)

"Minha saída foi o passaporte para a minha sobrevivência". Foi esta a afirmação do poeta Manoel de Andrade sobre a sua saida forçada do Brasil, em 1969.
Cássia Candra,  in  "A TARDE , dedicou-lhe estas palavras: "Autor de uma obra engajada nos ideais revolucionários que incendiaram a América Latina a partir da Revolução Cubana, Manoel de Andrade  tornou-se alvo do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e teve de deixar o Brasil em 1969. Seu acervo poético dos anos que se seguiram, ainda inédito no País, vem a público 40 anos depois com a publicação de "Poemas para a liberdade" (Editora Escrituras,2009). A poesia política, carregada de emoção, remete a uma saga literária original, que cruzou as fronteiras latino-americanas com jovens mochileiros."

O poema publicado na revista LETRAS BOLIVIANAS (1970), com arte de atilio carrasco


Canção para os homens sem face
De Manoel de Andrade
para  José Macedo de Alencar

Não canto minha dor…
dor de um só homem não é dor que se proclame.
Canto a dor dos homens sem face
canto os que tombaram crivados
os homens escondidos
os que conheceram a nostalgia do exílio
para os encarcerados.
Canto aos párias da vida…
aos bêbados, aos vagabundos e aos toxicômanos.
Canto as prostitutas
e as mulheres que foram embora com o homem amado.
Canto à multidão que entra e sai pelos portões das fábricas
aos que vêem o dia nascer no asfalto das rodovias
e aos lavadores de carros e aos que vendem a loteria
canto aos coletores de lixo e aos guardiões noturnos
as longas filas de pessoas que esperam os ônibus nas praças
e aos estrangeiros que aqui vieram viver.
Canto os homens sem raízes, sem família, sem pátria
canto meu sonho quando canto os que viveram o mar
que aportaram em países distantes
e conheceram homens de muitas raças…
e quando canto os navios,
canto ao meu coração de barco.

Gosto de cantar tudo o que vejo
os homens que conheço
e os que ainda não começaram a existir para mim.
Gosto de caminhar sozinho e de mãos nos bolsos pelas ruas e pela vida
gosto de falar com os homens dos armazéns
dos mercados, das oficinas,
dos postos de gasolina,
das bancas de revistas, das agências de viagens,
com os ascensoristas, com os que consertam os esgotos da cidade,
e outros homens, outros.
E canto as crianças que brincam nos parques
e pulam corda nas calçadas
e os que vão ao palco representar o drama dos outros homens.

Eu canto para todos os homens…
meus irmãos em todas as raças, nacionalidades e crenças,
canto além de todas as fronteiras
porque sob a bandeira da paz eu canto;
e pela fé que me ilumina
e por essa canção escrita no meu peito,
eu canto a humanidade inteira.

Canto a vergonha de ser brasileiro num tempo defecado
canto meu povo
e se ainda não canto meu país,
é porque não sei cantar na presença de homens indecentes;
eu canto sobretudo para aqueles que preservaram seu sonho,
para os que ousaram lutar e morrer por ele,
canto a memória de um guerrilheiro argentino.
E eis que meu verso se endurece
para que  eu cante meu melhor combate
e só assim posso cantar para os irmãos e  camaradas
recrutando companheiros para a luta…
e quando meu canto é feito para os ouvidos dos justos,
eu canto sem temor,
para que minha canção palpite solitária e solidária
no coração daqueles que se preservaram da lama.

Canto sem medo e sem brinquedo
e enfileiro meus versos para a luta
prontos para ferir como baionetas
prontos a morrer se for preciso.
Como guerreiros invisíveis
meus versos se infiltrarão no país dos corruptos pelas fronteiras das entre-
/linhas
e renascerão nos lábios dos militantes
ora como uma flor, ora como um fuzil.
Ah, que tempos são esses!?
já não reconheço nestes versos os versos de poeta que fui;
meu canto é hoje um canto transtornado pelo pacto desumano dos homens,
pelo triste dever de indignar-se,
pela violência estampada nas manchetes dos jornais…
e eis que um poeta não canta sem que seu verso quase desfaleça.
E hoje…
nestes dias encardidos de atos e decretos,
neste tempo suspenso num mastro sem bandeiras,
nesta nação de homens que ingerem caldo de galinha,
neste momento tísico
em que somente os finórios se regozijam,
nestes anos em que o sangue da América é um imenso canto de esperanças,
este poema chega assim tão de repente
rogando uma audiência para falar comigo,
como se soubesse que estou para morrer,
e me encontra prostrado num bacanal de coisas fúteis,
um inconsciente talvez…
um homem inútil
quase um desertor
meu Deus, quase um desertor.

Ah, meus  versos
minha absolvição…
neles  renasço transfigurado e forte
e cavalgo o universo inteiro;
e caminho cheio de amor por todos os seres
e por todas as coisas;
cheio de asco pelos tiranos
e pelos homens hipócritas
e sinto o coração limpo e maciço de ternura
meu canto crescer e explodir mais forte que a bomba.

Ah, meus versos,
meus versos que não são meus,
que são de todos os homens e de todas as mulheres que eu canto;
que são de todos os que se aproximam de mim
e que falam comigo.
Meus versos que afinal nunca serão de ninguém,
caminhando pela terrível solidão branca do papel,
pelo itinerário clandestino das gavetas;
estampados nas palavras escarlates da minha revolta pública,
impressos no meu olhar solitário de samurai.

Eu canto para todos os homens
contudo, neste tempo,
eu canto para os homens sem face…
aqueles que se perdem na multidão das grandes cidades,
e que amadurecem, a cada dia,
os punhos para a luta.

Curitiba, Setembro de 1968


De Manoel de Andrade para  José Macedo de Alencar, in  " POEMAS PARA A LIBERDADE" editado por "Escrituras" em 2009

"Catarinense radicado no Paraná, onde se formou em Direito, o autor Manoel de Andrade deixou o Brasil em Março de 1969, perseguido pela panfletagem de seu poema “Saudação a Che Guevara”, numa época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente por meio de jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira. Expulso da Bolívia em fins de 1969, onde chegou em Setembro para se integrar no movimento guerrilheiro comandado por Inti Peredo, preso e expulso do Peru e da Colômbia em 1970, seus "Poemas para la Libertad" tiveram uma trajectória política e uma aventura literária que dificilmente outro livro tenha tido. Como falam da luta armada e cantam a saga guerrilheira numa América Latina então controlada por ditaduras militares, cruzaram clandestinamente certas fronteiras, como uma mala com 200 exemplares da edição boliviana, que chegou a Guayaquil por via fluvial, trazida do Peru por contrabandistas equatorianos.
"Poemas para a liberdade" consta de vários catálogos da literatura latino-americana e seus poemas, de várias antologias, como Poesia Latinoamericana – Antología Bilingüe, publicada em 1998 pela Epsilon Editores de México., em que o autor partilha suas páginas com consagrados poetas, como Mario Benedetti, Juan Gelman e Jaime Sabines. A capa do livro foi inspirada em cartaz anunciando recital do autor em 1970, na Universidad de Los Andes, Bogotá.”  Artigo publicado pela
Academia das Letras do Brasil

domingo, 28 de novembro de 2010

Música ao Domingo

Alex Britti, Joe Cocker &  Pavarotti em " You are so beautiful".




Jon Bon Jovi & Pavarotti em " Let it Rain " num concerto para as crianças da Libéria.

sábado, 27 de novembro de 2010

Sinopse de um Retrato



Aos dezanove anos, em 1934

Nasceu em Lisboa , a 27 de Novembro de 1915, fruto de um curto casamento ibérico entre um português e  uma espanhola andaluza, já que seu pai, o português,  faleceu logo após o seu nascimento , deixando viúva a sua muito jovem mãe.
Viviam-se, então , tempos difíceis. O mundo, onde se incluía esta grande península ibérica, estava lançado na  1ª Guerra Mundial. A Lisboa, tinham acorrido muitos alemães em busca de um  refúgio distante   do palco feroz da guerra.  Trouxeram o capital e montaram empresas semelhantes àquelas que lideravam no seu país. E, assim , nessa Lisboa agitada, a sua mãe, com alguns poucos  anos de viuvez,  volta a casar. Desta vez recebe um novo pai também estrangeiro, mas alemão. Cresce num meio de mentes modernas e abertas. A sua infância reparte-se entre Lisboa , Estoril e, no tempo das férias , pela Europa. Constrói  uma vanguardista visão multicultural do mundo através da experiência pessoal e privilegiada de sair de Portugal,  ao realizar continuadamente profícuas viagens que lhe permitem o conhecimento e o convívio com diferentes pessoas e culturas.  
Frequenta o Colégio Francês. Aprende inglês, francês, alemão e, claro, espanhol. É num ambiente feliz que se prepara para enfrentar a vida adulta. Torna-se uma mulher lindissima, detentora de uma cultura muito vasta com um gosto requintado pela  Literatura, pela Música, pela Arte. Lê compulsivamente e assiste a concertos, espectáculos musicais, peças de teatro não só em Portugal como na Europa, especialmente em França e na Alemanha.
A sensibilidade é a sua carta de apresentação que gregariamente  irá marcá-la ao longo da sua existência. Emociona-se com a beleza , com os dramas e as vicissitudes que descortina e enfrenta  nos rostos dos outros e, mais tarde,  com aqueles pesares que lhe vão aparecendo e que terá de vencer.
Esta foi e será a minha Mãe. Uma mulher extraordinária que se afirmou por uma  alegria imensa pela vida,  pelo respeito e atenção à pessoa humana. Ser solidário e ser plural foi um modo de agir que a distinguiu num avanço precoce em relação ao que, na época,  era usual. A modernidade acompanhou  o seu crescimento e foi com essa tónica que criou seis filhos.
Partiu para sempre há dezanove anos, mas, hoje,  celebra-se o dia do seu nascimento que aconteceu há 95 anos. Certamente, que foi a mulher mais importante da minha vida. Ensinou-me a rir, a falar, a cantar, a ler e a amar a vida com a força e  a abertura de um ser humano em permanente  busca da verdadeira Felicidade.
Era linda a minha Mãe. Tinha um sorriso doce e cativante que brilhava mais forte do que  todas as mil e uma estrelas  das múltiplas galáxias do Universo. Nunca se intimidou com nada. Apoiou os filhos com palavras mágicas  que eliminavam qualquer dor ou  força ameaçadora. Aos netos transmitiu um tão forte património afectivo que criou para sempre laços indestrutíveis.
A saudade da sua voz, do seu rosto, do seu carinho marca profundamente o meu coração.
Parabéns, minha Mãe. Até sempre.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quitandeira de Luanda


Eh! laranjinha, ´aranjinha boa
mia siôa!

Vem de longe, do Catete,
onde há batuque e quitende.
Vem de longe o seu sorriso,
sorriso que se intromete
sem querer nos olhos da gente..

Vem de longe o seu sorriso
sempre fresco, sempre aberto.

E o passo ligeiro, certo,
batendo a terra encarnada
já quente ao sol matutino,
revela em cada pegada
o mover airoso, fino,
de uma rainha ignorada.

Leva colar de missanga,
panos de garrida cor.
E nos lábios - a verter
tom de madura pitanga -
a promessa de um amor
que é razão do seu viver.

Leva colar de missanga
panos de garrida cor.

Eh! laranjinha, ´aranjinha boa
mia siôa!

Cantando caju ou manga,
maboque, ananás, mamão,
Alta e baixa de Luanda,
o Muceque e Sambizanga
reconhecem-lhe o pregão.

E afirmam certos poetas
que a magia dessas cores
que lhe enfeitam a quitanda,
se derramou das paletas
de exotissimos pintores.

Dengosa p´la estrada fora,
mal irrompe o claro dia,
com tanta graça apregoa
que a própria aurora
é nela que se anuncia!
Eh! laranjinha, ´aranjinha boa
mia siô...ô...a!







Maria Eugénia Lima, Angola , in " Primeiro Livro de Poesia ", Poemas em Língua Portuguesa para a infância e a adolescência, Selecção de Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilustrações de Júlio Pomar, Editorial Caminho, 1991.

Prémios Literários Europeus 2010

Gonçalo M. Tavares distinguido com  o Prémio do Melhor Livro Estrangeiro

Gonçalo M. Tavares foi distinguido com  o Prémio do Melhor Livro Estrangeiro publicado em França em 2010 pelo seu livro  "Aprender a Rezar na Era da Técnica", editado em Portugal pela  Editorial Caminho, em 2007  e,  em França,  pela “ Editions  Viviane Hamy “ com o título “ Apprendre à Prier à l`ère de la Techniquenuma   tradução de Dominique Nédellec.
Este romance já estivera incluído na lista de finalistas dos  prestigiados prémios literários “Médicis” e “Femina”, o que revela o interesse e  a admiração que mereceu esta obra em França. A cerimónia de entrega do Prémio realizou-se no dia 22 de Novembro, no Hotel Hyatt Madeleine, em Paris.
A criação deste Prémio por Robert Carlier e  André Bay remonta a 1948  afirmando-se desde essa data como um dos mais importantes e honrosos Prémios Literários Franceses. Ao longo da sua história foram distinguidos grandes vultos da Literatura Mundial, estando entre eles um português, António Lobo Antunes , bem como  outros valorosos escritores estrangeiros tais como , Gabriel Garcia Marquez, em  "Cem Anos de Solidão", Soljenitsin, John Updike, Adolfo Casares, Salman Rushdie,  Orhan Pamuk,  Mario Vargas Llosa, Günter Grass, Philip Roth etc. .

Michela Fontana recebe o Prémio da Biografia Política



" Le Magazine Littéraire" de 15 de Novembro anunciou a atribuição do Grande Prémio da Biografia Política a Michela Fontana pela obra " Matteo Ricci" ( 1552-1610), primeiro europeu a residir no Império Chinês.
Este Prémio, instituido em 2007, visa distinguir uma Biografia Política da actualidade ou do passado escrita ou traduzida em Língua Francesa.
Michela Fontana é uma historiadora e jornalista italiana.
Ler o artigo integral 

Os Grandes Prémios Literários de Estrasburgo 2010


Os  vencedores dos Grandes  Prémios  Literários de  Estrasburgo 2010 foram anunciados no Sábado, 6 de Novembro . O Prémio Europeu de Literatura 2010 foi atribuido ao poeta, dramaturgo e cineasta britânico Tony Harrison pelo conjunto da sua obra. Denise Desauteuls, autora do Quebeque recebeu o Prémio de Literatura francófona. A Bolsa de Tradução do Prémio Europeu de Literatura foi atribuido a  Cécile Marshall pelas traduções das obras de Tony Harrison.
Os Grandes Prémios Literários de Estrasburgo foram criados  em 2005 pela  (ACEL), Association Capitale Européenne des Littératures, com o objectivo de " ultrapassar as clivagens habituais entre os diferentes actores e meios culturais e oferecer a possibilidade de uma dinâmica colectiva ao serviço de um objectivo comum: o diálogo das línguas e das culturas".
Magazine Littéraire, 15/11/2010 | Fil des lettres

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Portugal em GREVE


O descontentamento entrou no coração dos portugueses. A miséria que nos  bate  à porta foi encomendada pelo desgoverno dos que comandam o país . A cegueira que os acomete impede o discernimento necessário para  promover uma  política social e a correcta defesa de quem assegura a sustentabilidade do país, os trabalhadores.
Ancorados no slogan da crise mundial, o Governo continua insensível e distante dos eleitores. As empresas vão fechando, os impostos vão subindo, os ordenados diminuem e  os postos de trabalho são escadalosamente reduzidos.  E porque a crise é endémica  e há muito germinada em Portugal  pelo desnorte comprovado dos governantes, os portugueses encerraram o país. Portugal está em greve. É tempo de pensar, é tempo de corrigir, é tempo de ouvir a voz de todos nós.


Louvor do Revolucionário


Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'
Tradução de Paulo Quintela

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A Violência e a Dignidade Humana


A violência tem sido foco de atenção concentrada nos últimos tempos.  O homem contemporâneo assiste a cenas diárias de seu recrudescimento em todos os lugares e sob as mais variadas formas.
Nota-se que toda essa violência crescente se tem  tornado assustadora e paira uma sensação de impotência diante dela.
Nos tempos actuais, a todo o momento, volta a preocupação de se pensar na (re)construção da dignidade humana desgastada, ou seja, de se resgatar muitas das conquistas de humanização que, em princípio, pareciam já consolidadas, mas que a violência  banalizada tende a fazer desmoronar. Hannah Arendt elaborou uma das mais expressivas reflexões sobre esse fenómeno da violência que se difunde indiscriminadamente e se banaliza. Assim ela escreveu:
-          (...) o perigo da violência, mesmo que esta se movimente dentro de uma estrutura não extremista de objetivos a curto prazo, será sempre que os meios poderão dominar os fins. (...). A acção é irreversível, e um retorno ao ” status quo” em caso de derrota é sempre pouco provável. A prática da violência como toda a acção, transforma o mundo, mas a transformação mais provável é num mundo mais violento. (1985, p.45, ( (ARENDT, Hannah. Da violência. Brasília: Universidade de Brasília)

É notória a escalada da violência. O quotidiano está permeado de cenas reais dessa violência, a qual vai assumindo proporções “espantosas”, mas que, para assombro, já não causa tanto espanto. Trata-se de uma violência que se alastra e se banaliza. A banalização  dá-se na medida em que já não tem mais face e nem limites. Mostra-se capaz de atingir extremos quase inimagináveis e de ser praticada por todos aqueles que, apesar de humanos, de algum modo, são refractários à ideia de agirem como pessoas em relação aos semelhantes.
Essa violência banalizada, directa ou indirectamente, afecta sobremaneira a dignidade humana, entendida esta como um valor exponencial. Isso porque ela traz, no mínimo, a sensação de paralisação ou de retrocesso no aprimoramento do especial modo gregário de viver do ser humano.  Marca desse mal-estar é a tendência para a não-pessoalização ou para a despessoalização das relações intersubjectivas.
Surge, assim, para a Bioética, enquanto uma ética que postula respeito pela vida, o desafio de salvaguardar o valor da dignidade humana, o que implica, por conseguinte, preservar a própria pessoa em si.  Isso  torna-se crucial quando se pretende evitar que haja a corrosão completa daquele valor, por causa da violência que se escancara banalizadamente.  Trata-se mesmo de um desafio à Bioética, posto que ela é chamada a orientar o “ethos” do coexistir humano, cuja base há de ser a busca pelo mais profundo respeito de um pelo outro, o que se firmará no renovado esforço e no constante reforço de pessoalização das relações humanas.
Marcius Tadeu Maciel Nahur, In “BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E BIOÉTICA: O DESAFIO DA (RE)CONSTRUÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA” 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Manoel de Andrade , Poeta da Resistência

Manoel de Andrade, poeta brasileiro, foi obrigado a fugir do Brasil em 1969, época violenta da Ditadura. Escreveu este poema na véspera da sua fuga que se tornou  um emblemático testemunho literário dessa vivência. A sua permanência no Brasil estava já ameaçada pela publicação de outros poemas que o classificavam como um poeta da RESISTÊNCIA, fazendo perigar a sua liberdade.


VÉSPERA, poema de manoel de andrade

Quatorze de março
mil novecentos e sessenta e nove.
É preciso…
é imprescindível denunciar o compasso ameaçador destas horas,
descrever esta porta estreita que atravesso,
esta noite que me escorre numa ampulheta de pressentimentos.

Um desespero impessoal e sinistro paira sobre as horas…
O ano se curva sob um tempo que me esmaga
porque esmaga a pátria inteira…

Nossas canções silenciadas
nossos sonhos escondidos
nossas vidas patrulhadas
nossos punhos algemados
nossas almas devassadas.

Pelos ecos rastreados dos meus versos
chegam os  pretorianos  do regime.
Alguém já foi detido, interrogado,  ameaçado
e por isso é necessário antecipar a madrugada.

E eis porque esse canto já nasce amordaçado
porque surge no limiar do pânico.
Meu testemunho é hoje  um grito clandestino
meus versos não conhecem a luz da liberdade
nascem  iluminados pelo archote da esperança
para se esconderem na silenciosa penumbra das gavetas.

Escrevo numa página velada pelo tempo
e num distante amanhecer
é que o meu canto irá florescer.
                                                              
Escrevo num horizonte longínquo e libertário
e num tempo a ser anunciado pelo hino dos sobreviventes.
Escrevo para um dia em que os crimes destes anos puderem ser contados
para o dia em que o banco dos réus estiver ocupado pelos torturadores

Contudo, nesta hora, neste agora
o tempo se reparte pra quem parte
e um coração se parte nos corações que ficam…
O amanhecer caminha para desterrar os nossos gestos 
para separar  nossas  mãos  e  nossos olhos
e nesta eternidade para pressentir o que me espera
já não há mais tempo para dizer quanto quisera.

Tudo é uma amarga despedida nesta longa madrugada
e neste descompassado palpitar,
contemplo meus livros perfilados de tristeza
retratos silenciosos de tantas utopias,
bússolas, faróis, retalhos da beleza.
Aceno a Cervantes, a Lorca, a Maiakovski
mas só Whitman seguirá comigo
nas suas páginas de relva
e no seu canto democrático.
Contemplo ainda os pedaços do meu mundo
nos amigos do penúltimo momento
nas lágrimas de um benquerer
na infância de minha filha
e nesse beijo de adeus em sua inocência adormecida.

Nesta agonia…
neste abismo de incertezas…
abre-se o itinerário clandestino dos meus passos.
De todos os caminhos
resta-me uma rota de fuga, outras fronteiras e um destino.
Das trincheiras escavadas e dos meus sonhos,
restou uma bandeira escondida no sacrário da alma
e no coração…
um passaporte  chamado…  liberdade.

Curitiba, 14 de março de 1969
Este poema consta do livro POEMAS PARA A LIBERDADE editado por Escrituras

O FACTO e o ACTO

"O poema deixou gravada a ansiedade do autor na madrugada de sua fuga do Brasil, em 14 de março de 1969. É o testemunho angustiante de momentos marcados por pressentimentos e pânico. Fala da pátria esmagada pela repressão e pelo intenso patrulhamento político-ideológico que se instalou no país com o Acto Institucional nº. 5, imposto pela ditadura militar em dezembro de 1968. Fala de prisões e interrogatórios e de almas devassadas pela tortura.  Fala de suas canções amordaçadas e, contudo, canta profeticamente para um distante amanhecer em que sua poesia  irá florescer e por isso escreve para um dia em que tantos crimes poderiam ser contados, para  um tempo  anunciado  pelo hino dos sobreviventes. O poema é um doloroso gesto  de despedida  e, ao mesmo tempo,  iluminado pelo brilho da esperança. Dor e esperança ampliadas pela visão e memória dos seus livros perfilados na tristeza, dos amigos dos últimos momentos, nas lágrimas de um benquerer e no beijo de adeus em sua filhinha adormecida. O poeta antecipa poeticamente a madrugada e sai pela porta estreita da incerteza em busca de uma rota de fuga. Leva intactos seus sonhos, uma bandeira escondida na alma e no coração o passaporte da liberdade. Manoel de Andrade deixou o Brasil, alertado da sua prisão iminente pelo conteúdo do seu poema “Saudação a Che Guevara”, escrito em outubro de 1968, e panfletado em universidades e  sindicatos de Curitiba. O poeta deixava o país exactamente numa época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente, divulgada em grandes jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira."
O poema Véspera consta de seu livro Poemas para a Liberdade, com quatro edições no exterior, que foi lançado  pela Editora Escrituras,  em edição bilíngue,  a 15 de Abril de 2009, no Espaço Cultural Alberto Massuda , Curitiba.

domingo, 21 de novembro de 2010

ACORDAI

Acordai!
Acordai, homens que dormis
A embalar a dor
Dos silêncios vis!
Vinde, no clamor
Das almas viris,
Arrancar a flor
Que dorme na raíz!

Acordai!
Acordai, raios e tufões
Que dormis no ar
E nas multidões!
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras e o mar,
O mundo e os corações...

Acordai!
Acendei, de almas e de sóis,
Este mar sem cais,
Nem luz de faróis!
E acordai, depois
Das lutas finais,
Os nossos heróis
Que dormem nos covais.

ACORDAI!

José Gomes Ferreira
(letra musicada por Fernando Lopes Graça para interpretação coral)



Coro de Câmara Lisboa Cantat interpreta "Acordai", poema de José Gomes Ferreira e música de Lopes Graça, in CD "Compositores Portugueses XX / XXI, vol.1

Tempo de Poesia


Todo o tempo é de poesia.

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.


Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.


Todo o tempo é de poesia.
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.


Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.


Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos
à confusão da harmonia.


António Gedeão, in "Poesia Completa", Edições João Sá da Costa, Lisboa

sábado, 20 de novembro de 2010

Música para os nossos ouvidos

Susan Boyle, a voz que encantou o mundo,   no novo Album " The Gift ".



"Perfect Day"  ao vivo no  "Pride Of Britain Awards"



"Hallelujah"

Cartoon & Cartoon, força e ironia


Cravo & ferradura, DN 16 Nov 2010
 

Cartoon, ELIAS o SEM ABRIGO de R. REIMÃO e ANÍBAL F , JN de 9 /11/ 2010
  The engagement of Prince William and Kate Middleton has been announced.
"You're right, Madam, The pavements will be packed. But trust me, not for a good while yet."
 Mac Cartoons, "The Daily Mail" , 17/11/2010


Bartoon, in  Jornal " Público" de 14/11/2010




Cartoon, Tim Sanders, in " The Independent"


Uma relíquia 

Cartoon de 3 de Junho de 1952 ,in "New York Daily News"
Photo date:06/03/1952, Filename 71600k15.jpg, Photographer: Batchelor, Cd


Caption:C.D. Batchelor cartoon June 3, 1952
The Girl (Statue of Liberty): "Thank you doctor, thank you a thousand times."
The Doctor (Supreme Court): "Don't mention it, you happen to be blessed with a good constitution."
Harry Truman 1952 steel mills seizure
In “ The photo archive of New York  Daily News”