por Baptita Bastos
O Orçamento, aquilo que dele conhecemos, impõe-nos a obediência total a uma tremenda iniquidade. Falemos de servidão, afinal o que as circunstâncias favorecem: não podemos desobedecer porque o imposto de submissão, engendrado pelo Governo PS, abate-se sobre nós, e responsabiliza-nos sob a fórmula de "o interesse nacional". Expressão cuja lógica é a de comprometer toda a gente menos aqueles que, rigorosamente, são os culpados. O clamor de protestos que se escuta por aqui e por ali conduz-nos ao carácter relacional do poder. E induz-nos a reflectir sobre a sua natureza. No caso português, sobre a monstruosidade das suas aberrações.
A crise do sistema prolonga a argumentação deste Governo que não soube prever as condições históricas, nas quais o capitalismo se movia, e oculta as suas derivas e as suas incompetências com uma retórica "balsâmica". Ouve-se o primeiro-ministro e não se consegue descortinar onde está o "normal" e o "patológico". Mas também não distinguimos os objectivos de Passos Coelho, com o carácter das suas ofensivas sociais e a qualidade da democracia que diz defender. Que raio de democracia é esta, a de Passos, e aquela sob cujo paradigma temos vivido?
A encruzilhada na qual o País convenciona a sua perplexidade é bem pior do que a questão económico-financeira. É a ausência de alternativa. O Governo estrebucha. O PSD não serve. O rotativismo resultou neste imbróglio onde inexiste a racionalidade política, e as excrescências do improviso e as técnicas impositivas (para não dizer: repressivas) se sobrepõem aos próprios conceitos de democracia. Quando vinte por cento da população vivem abaixo do limiar da pobreza, e cerca de 600 mil portugueses estão desempregados; quando a nossa mocidade vai embora e licenciados ganham a vida nas caixas registadoras de supermercados, está estabelecida uma desapropriação social horrorosa. Goste-se ou não, foi-nos imposta uma forma de sociedade totalitária, sob a capa de "democracia de superfície". Nem o PS nem o PSD contrariaram a perda de valores e de padrões, comum à hierarquização do dinheiro que a nova ordem económica incutiu e estimulou.
As nossas sociedades actuais ainda dispõem das virtualidades, intrínsecas à ética republicana e à moral democrática? Em Portugal, muitos que beneficiaram da ruptura do 25 de Abril não são aqueles que pela liberdade se bateram e inúmeros perigos correram. Não há um destes, um sequer, que tenha três e quatro reformas; ou que receba, mensalmente, 3500 escudos (moeda antiga) de pensão vitalícia e actualizada, por seis meses de funções numa poderosa instituição bancária pública.
Vê-se a dificuldade da questão. Mas alguma coisa tem de ser feita. Os bárbaros estão às portas de Bizâncio.
Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no DN de 20 de Outubro de 2010
Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no DN de 20 de Outubro de 2010
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