A Casa das Tias
Olho, feita pela Dana
a casa do Alto-Mahé:
dela , por certo, dimana
memória do que era e é.
Ponho-me a olhar a casa
que chamávamos " das tias"
e dá-me um golpe d'asa
que me leva aos velhos dias!
que chamávamos " das tias"
e dá-me um golpe d'asa
que me leva aos velhos dias!
Recordar é adiar a morte
quando olho esta casa,
o passado volta forte
e o frio faz brasa!
Londres, Dezembro,1994
quando olho esta casa,
o passado volta forte
e o frio faz brasa!
Londres, Dezembro,1994
Eugénio Lisboa
"No Alto-Mahé, no extremo (pouco chic) da Avenida
Pinheiro Chagas, ficava a “casa das tias”, as irmãs do meu pai,
tuteladas, com mão pesada, pelo tio Tropa, marceneiro habilidoso, dotado
de fortes bigodes à Staline e de espessas convicções comunizantes,
embora eu nunca tenha averiguado se ele sabia bem o que era o
comunismo...
Trabalhava muito e com arte e fazia, com isso, pouquíssimo dinheiro, talvez
por escrúpulo em avaliar no seu devido valor a qualidade da sua arte.
A casa do Alto-Mahé, com rés-do-chão e primeiro andar, imortalizada, para
nós, num desenho a tinta-da-china, da Dana Michaelles (pintora
florentina encalhada em Lourenço Marques), era, a meus olhos de
periférico, um palácio mítico, construído, de ponta a ponta, pelo tio
Tropa, com contribuição financeira de meu pai e, creio, do meu tio
Fernando, irmão de meu pai. Tinha uma imponente – e pesadíssima – porta
de entrada, de madeira trabalhada, uma elaboradíssima escada interior,
também de madeira, que unia o rés-do-chão ao primeiro andar e, neste,
uma varanda com grades de ferro arrebicadamente lavrado. Ainda hoje lá
está, maltratada, massacrada, vandalizada, canibalizada, conspurcada... – da última vez que por ali passei, numa
das minhas visitas a Lourenço Marques, olhei-a de fugida, com o coração
transido, como quem acaba de assistir a uma profanação. A casa das tias
era o lugar de peregrinação, que eu e os meus irmãos visitávamos em
certas ocasiões, como quem pisa solo sagrado – vivendo nós em
residências modestas, do Largo João Albasini ou da Estrada do Zixaxa ou
mesmo, mais tarde, da Rua Mendonça Barreto, todas elas sem frigorífico,
sem electricidade (excepto a última), sem telefone e sem telefonia (para
nós, em Moçambique, “rádio”), a casa das tias parecia ter tudo, incluindo uma telefonia
quase do tamanho de um camião. Majestosa, sim, mas, ainda assim,
insuficiente para se ouvir, nas ondas curtas, a BBC, em tempo de
guerra... "
Eugénio Lisboa, in Acta Est Fabula, Memórias - I - Lourenço Marques ( 1930-1947), Editora Opera Omnia, Novembro de 2012. pp.19-20
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