A escrita tem as suas próprias leis de perspectiva, de luz e de sombras, como a pintura e a música. Se nasces com elas, perfeito. Se não, aprende-as. Em seguida, reorganiza as regras à tua maneira.”
Truman Capote
A
Cidade
Há ,contudo, uma certa emoção ao contemplá-La da Ponte, principalmente à chegada, apresentando-se imponente no seu reflexo nas águas do Rio e deixando soltar uma paz adormecida na sombra de tanta casa anónima que vista deste ângulo não é possível identificar.
É esse anonimato que explica a minha relação com a Cidade e vinte anos da minha vida. Não foi um caso de amor e muito menos de paixão que me levou para a Cidade. Era mais um lugar para viver que acumulava privacidade com um elemento paisagístico natural imprescindível para mim, a ÁGUA.
Não tinha muito dinheiro nem sequer conhecia o mercado imobiliário. Tinha vindo para o Sul e como as praias estavam desertas , emprestaram-me uma casa numa Vila à beira mar, situada perto da Cidade. Era um empréstimo a prazo, pois no Verão teria de sair.
Aprendi alguns anos mais tarde que a privacidade e o anonimato são fantasmas de outro tempo e de outra cidade que não esta . Foi contudo já muito tarde essa minha descoberta, não evitando todos estes acontecimentos que continuam vivos na minha memória.
A Ponte atraiçoou-me . Ainda hoje a miragem é perfeita , tentando oferecer-nos uma imagem da Cidade que não é real.
Acredito que o onírico foi sempre um traço importante na construção das percepções que tenho da realidade. Vivi muito tempo concertando sonhos que se desfaziam em verdades dolorosas. E a Cidade foi uma verdade ludibriada."
Maria José Vieira de Sousa, in O Livro que não vou escrever, 2015
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