Celebrar o 25 de Novembro
por Eugénio Lisboa
“Vai por aí uma estranha balbúrdia, que é também uma
vergonhosa balbúrdia: celebrar ou não celebrar o 25 de Novembro, conjuntamente
com o 25 de Abril. A gente democraticamente moderada, que sempre se identificou
com o movimento que, em 25 de Novembro, pôs cobro a fantasias totalitárias de
vascogonçalvistas inconformados com o advento de uma “democracia burguesa”,
mostra-se agora bizarramente desconfortável com a celebração daquele movimento
salvífico. Porque tal celebração é “fracturante”, por outras palavras, pode
desagradar ao PCP e ao BE.
Quanto ao fracturante, já lá vamos. Antes disso,
quero apenas chamar a atenção para um importante pormenor: o 25 de Abril e o 25
de Novembro significam exactamente a mesma coisa: o 25 de Abril deitou abaixo
uma ditadura e o 25 de Novembro impediu que outra ditadura se instalasse, em
substituição daquela. Exactamente o mesmo, pelo que se não divisa a razão de
celebrar uma e nos encolhermos, envergonhados, perante a outra.
Quanto à data de 25 de Novembro ser “fracturante”,
temos conversado: todas, mas todas as datas que assinalamos são ou foram
fracturantes. Celebrar o 25 de Dezembro é fracturante para os portugueses
muçulmanos ou budistas ou simplesmente ateus ou agnósticos; o 1º de Dezembro é
fracturante para os portugueses favoráveis à união de Portugal com a Espanha:
havia muitos, na altura da Restauração, havia não poucos entre os do tempo da
Geração de Setenta e bastantes portugueses haverá ainda hoje favoráveis a tal união,
ou, no mínimo, nada preocupados com o advento dela; o 5 de Outubro é fracturante,
para os monárquicos: há- os por aí e o nosso MNE acolhia, não há muito, um
número não insignificante deles (até nunca percebi como, sendo monárquicos,
aceitavam representar, no estrangeiro, um Estado republicano); os feriados de
Fátima são fracturantes para os agnósticos, os ateus e os portugueses
praticantes de outras religiões. Agradecia que me dessem, sendo capazes, uma
data celebrativa que não seja fracturante. O 25 de Abril, a cuja celebração,
justamente se não objecta, é também uma data fracturante: todos os saudosistas
do Estado Novo
não escondem a sua aversão a essa data. E todos nós
sabemos de gente, ao mais alto escalão da hierarquia do Estado, que sempre se
recusou a exibir um cravo vermelho na data da Revolução dos cravos. Portanto,
invocar o carácter fracturante do 25 de Novembro é apenas uma vergonhosa
cobardia de quem se assusta com o sruru que venham a fazer os suspeitos do
costume. Para os quais, de resto, o 25 de Abril que gostam de celebrar, não é o
mesmo 25 de Abril que assinalam os outros portugueses… Fractura? Por amor de
todos os deuses do Olimpo: arranjem outra desculpa! Não celebrar o 25 de
Novembro corresponderá a uma grande maioria de portugueses ajoelharem perante
uma minoria recalcitrante e conhecidamente pouco amiga da liberdade de
pensamento. Não vejo um Mário Soares a ceder desta maneira!”
25.11.2023
Eugénio Lisboa,
que não tem receio absolutamente nenhum dos Anónimos
do Costume.
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