No tempo da Peste Negra |
Prever o fim do mundo, no tempo da Peste Negra, não é o mesmo que prevê-lo no século XXI
por Eugénio Lisboa
“Costumo ler, com prazer, muitas vezes com
proveito e algumas, com discordância, as colunas de João Miguel Tavares, na
última página do PÚBLICO. Discordar não faz mal e é, até, saudável. Da
discordância nasce o progresso do conhecimento científico. Se toda a gente, no
tempo de Pascal, tivesse concordado com o conceito de que a natureza tem horror
ao vazio, a hidráulica ainda hoje estaria na sua pré-História. Por isso, peço a
JMT que não veja na discordância que lhe vou propor nenhum acto de hostilidade:
esta não é, de modo nenhum, a minha intenção, porque isso seria um acto de
ingratidão para com o prazer que tantas vezes sinto ao lê-lo.
Vamos então ao assunto, que é sério: a
catástrofe climática que se aproxima e da qual todos os dias nos chegam sinais
alarmantes. Na sua coluna bem humorada e sempre admiravelmente redigida, JMT
visa sossegar as actuais futuras bisavós, quanto ao futuro dos bisnetos e
bisnetas, neste planeta assolado, já hoje, por ventos, fogos e dilúvios. Em
abono de tal sossego cor de rosa, ele socorre-se de todas as muito antigas
previsões de fim de mundo que afinal nunca tiveram concretização. É um
argumento que só aparentemente tem qualquer solidez. JMT dá, como exemplo, as
previsões apocalípticas feitas no tempo da peste negra, quando uma vasta fatia
da humanidade sucumbiu. Esquece-se porém que tais profecias foram proferidas
numa altura em que a ciência estava na sua infância e as pessoas seguiam, não
os avisos de cientistas, mas sim as proclamações de profetas e de padres que
bebiam em textos da Bíblia como se fossem certezas. Hoje não há profetas a
avisarem-nos do que pode acontecer, quem o faz são cientistas sérios, baseados
num acervo impressionante de factos e de acontecimentos que já estão diante dos
nossos olhos. Comparar as profecias de
Nostradamus ou do Bandarra, com cálculos feitos por gente que já chegou à Lua
ou a Marte, que já curou a tuberculose, que descobriu os antibióticos e vai a
caminho de controlar o cancro é o mesmo que pretender medir a energia com uma
régua. Não é possível. Os erros dos profetas “inspirados” não podem nem devem
extrapolar-se às hipóteses de trabalho de quem as avança, solidamente apoiadas
em muita e cautelosa investigação. Não são os profetas que inventam as vacinas
contra as pandemias. Os profetas, ainda hoje, até avisam contra o perigo que
entendem correr as pessoas vacinadas.
Meu caro JMT, não dê razões de sossego às
futuras bisavós: dê-lhes, antes, razões de lutar contra políticos e empresários
de vistas curtas e de inteligência boçal. O perigo é mesmo real e é de
dimensões assustadoras. Estamos a dar cabo da possibilidade de vida neste belo
planeta, que não é só nosso: os animais, árvores e plantas são também parte
dele e não têm de pagar pelos nossos pecados e pela nossa hubris.”
Eugénio Lisboa, 03.10.2023
Infelizmente, concordo em que o futuro, seguindo no caminho em que a sociedade tem seguido, não será brilhante, o interesse do Homem, com os benefícios imediatos, sem olhar para os custos futuros, não augura nada de bom.
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