Josef Stalin |
O
jardineiro da felicidade humana
por
Eugénio Lisboa
«
Agora, que, por todo esse mundo, avançam as radicalizações, à direita e à
esquerda, convém ir lembrando de que metal são feitos os tiranos. São gente
perigosa, porque, mesmo quando o seu comportamento é ostensivamente grotesco,
guloso de glorificação, para além daquele teor mínimo de megalomania que
assiste a qualquer ser humano, arranjam sempre uma corte de bajuladores que se
atropelam uns aos outros para verem quem mais se destaca na arte de bajular.
Vou aqui transcrever um excerto de um capítulo do excelentemente documentado
livro A CONTRA HISTÓRIA DO COMUNISMO, do espanhol Fernando Díaz Villanueva.
O jardineiro da felicidade humana
“Os
tiranos foram sempre muito dados a olhar para o umbigo e a obrigar toda a gente
a admirá-los. Por isso, aquilo a que hoje chamamos culto da personalidade –
expressão extraída directamente do marxismo – teve lugar em todas as
civilizações, independentemente da época e do lugar.
Os egípcios antigos divinizaram os faraós,
que, mais do que simples reis, eram deuses num corpo mortal que estavam de
passagem pela Terra. Em Roma, os governantes começaram a investir-se de
divindade, assim que a antiga república deu lugar ao Império. Incas, aztecas,
tibetanos e chineses transformaram os seus governantes em algo muito semelhante
a deuses, quando não directamente em deuses. Na China, a filosofia política
prevalecente era a do mandato do céu, que era muito similar à que, na Europa,
legitimava a monarquia de direito divino.
Mas,
ainda que pareça mentira, foi no século XX que o culto da personalidade
alcançou o seu máximo esplendor, em boa medida, graças ao aparecimento de novas
tecnologias e meios de expressão como a fotografia e o cinema e,
principalmente, à irrupção dos totalitarismos após a Primeira Guerra Mundial.
Os fascistas e os bolcheviques perderam a cabeça com o culto ao líder e aos
poderosos. As suas ideologias anómicas tinham essa veneração no código genético
e os avanços técnicos da época tornaram realidade os seus sonhos idólatras.
O fascismo italiano, como em muitas das formas
exteriores do socialismo, foi o primeiro. Mussolini revestiu-se de uma
autoridade inspirada no culto dos antigos césares. Os uniformes, os desfiles, o
passo de ganso, as saudações romanas, tudo isso marcou um estilo que os nazis
rapidamente adoptaram. Os bolcheviques distanciaram-se ligeiramente da estética
fascista, mas reforçaram ainda mais a veneração do líder. Isso aconteceu já nos
tempos de Lenine, mas, como ele não viveu o suficiente para completar a sua
obra, foi na era de Estaline que o culto da personalidade atingiu a sua máxima
expressão.
A
loucura começou com os nomes do inominável. Ninguém no seu perfeito juízo se
referia a ele como Joseph, o seu nome próprio, mas como Estaline, o seu cognome
revolucionário, que em russo quer dizer qualquer coisa como “feito de aço”. Os
aduladores depressa começaram a arranjar-lhe sobrenomes grandíloquos, como Pai
dos Povos, Líder e Mestre dos Trabalhadores do Mundo, Titã da Revolução
Mundial, Corifeu da Ciência, Jardineiro da Felicidade Humana, Brilhante Génio
da Humanidade, Grande Arquitecto do Comunismo ou Sábio Timoneiro. Utilizavam
esses vários epítetos grandiosos, consoante a época e a ocasião.
A
princípio, a designação que mais lhe agradava utilizar para ganhar legitimidade
era a de Discípulo Predilecto do Camarada Lenine, depois, quando o seu poderio
se tornou incontestável, passou a preferir a de Pai dos Povos, que foi muito
utilizada fora da URSS após a Segunda Guerra Mundial, ou a especialmente cómica
designação de Amigo Benevolente de Todas As Crianças.
Não
parou aqui a megalomania. Dezasseis cidades de diversos países mudaram de nome
em homenagem ao líder de aço. A maior e mais famosa foi Estalinegrado, à qual a
História reservou um papel especialmente heroico.”
De
todos os títulos grandiosos, escolhi, para encabeçar esta transcrição, o de O
JARDINEIRO DA FELICIDADE HUMANA, por razões de ferina ironia. Quando, ainda na
vigência do regime soviético, visitei Moscovo e Leninegrado (hoje, de novo, S.
Petersburgo), achei tudo aquilo tão tenebroso, tão soturno, tão absurdamente cruel
(
não encontrei rigorosamente nada que me apetecesse trazer como recordação), que
cogitei, com os meus botões, nunca ter visitado nada de onde a felicidade
humana estivesse tão arredada.»
Eugénio
Lisboa, 21.10.2023
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