sábado, 30 de setembro de 2023

Mais alguns pensamentos sobre Poesia

 

Mais alguns pensamentos sobre Poesia,
alguns, muito inconvenientes
 
Poesia é a síntese de jacintos com biscoitos.
Carl Sandburg

Toda a poesia é pôr o infinito dentro do finito.
Robert Browning

Escrevi poesia que eu próprio não compreendo.
Carl Sandburg

Se….. torna o meu corpo tão frio, que nenhum fogo consegue aquecê-lo, sei que isso é poesia.
 Emily Dickinson

Dentro de cada homem, reside um poeta que morreu novo.
Stefan Kanfer

Há duas maneiras de não gostar de poesia: uma, é não gostar, a outra, é gostar de Pope.
Oscar Wilde

Penso que uma definição possível da nossa cultura moderna é a de uma cultura em que nove décimos dos seus intelectuais não consegue ler poesia.
Randall Jarrell

A indiferença à poesia é uma das características mais conspícuas da raça humana. Robert S. Lynd

Escrever verso livre é o mesmo que jogar ténis sem rede.
Robert Frost

Quando lemos e compreendemos um poema, compreendendo as suas significações ricas e formais, então dominamos um pouco o caos.
Stephen Spender

Publicar um volume de versos é o mesmo que deixar cair uma pétala de rosa pelo Grand Canyon abaixo e ficar à espera de ouvir o eco.
Don Marquis
 
Desde sempre, os poetas e os que não são poetas, tentaram “definir” o que é poesia . É talvez mais fácil dizer o que NÃO é poesia e, mesmo isso, não sei. Mas há aforismos ou proclamações que nos deixam entrever por onde anda a poesia e a sua linguagem. Uma delas é este verso de Claudel, que traduzo: “São as palavras de todos os dias, e não são as mesmas.”
 
Eugénio Lisboa,
que selecionou e traduziu.

Alguns Pensamentos sobre Poesia

 

Alguns Pensamentos sobre Poesia
 
Ler um poema é ouvi-lo com os nossos olhos; ouvi-lo é vê-lo com os nossos ouvidos.   
Octavio Paz
 
Não há dinheiro na poesia, mas também não há poesia no dinheiro.
Robert Graves
 
Se Galileu tivesse dito em verso que a Terra  se move, a Inquisição tê-lo-ia deixado em paz. 
Thomas Hardy
 
Nenhum poema durará muito tempo se for escrito por uma pessoa que só bebe água. Horácio
 
A poesia são pensamentos que se respiram e palavras que queimam.
Thomas Gray
 
A poesia é um negócio de alegria e dor e deslumbramento, com uma pitada de dicionário. Khalil Gibran
 
Um poema nunca fica acabado, apenas abandonado. 
Paul Valéry
 
A poesia é apenas o testemunho da vida. Se a nossa vida estiver a arder como deve, o poema é apenas as cinzas
Leonard Cohen
 
Se não consegues ser o poeta, sê o poema. 
David Carradine
 
A pintura é poesia silenciosa e a poesia é pintura que fala
Plutarco
 
A poesia é um eco a pedir a uma sombra para dançarem
Carl Sandburg
 
A poesia está mais próxima da verdade vital do que a História.
 Platão
 
Um poeta consegue sobreviver a tudo, menos a uma gralha.
Oscar Wilde
 
O poeta é um mentiroso que diz sempre a verdade. 
Jean Cocteau
 
Quando o poder leva o homem à arrogância, a poesia lembra-lhe os seus limites.
Quando o poder estreita a área das preocupações do homem, a poesia lembra-lhe a riqueza e diversidade da existência.
Quando o poder corrompe, a poesia limpa. 
John F. Kennedy
 
Eugénio Lisboa,
que selecionou e traduziu.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Alguns Pensamentos sobre a Guerra

 Alguns Pensamentos sobre a Guerra

É proibido matar, portanto, todos os assassinos serão punidos, a não ser que matem em grande número e ao som de trombetas. - Voltaire 

Deus criou a guerra, para permitir aos americanos aprenderem geografia. - Mark Twain 

Só os mortos verão o fim da guerra. – Platão

Os velhos declaram as guerras. Mas compete aos novos lutar e morrer. – Herbert Hoover

Toda a guerra é um sintoma do fracasso do homem, como animal pensante. – John Steinbeck

A guerra não determina quem tem razão – determina só quem sobra.Anónimo

E, por fim, esta cereja no bolo, oferecida por um famoso general.  Já reparei que algumas das mais eloquentes palavras ditas contra as guerras vieram da boca de grandes generais: sabem do que falam.

Cada canhão que é fabricado, cada navio de guerra que é lançado ao mar, cada míssil que é disparado significam, em última análise, um roubo feito àqueles que têm fome e não comem, àqueles que têm frio e não se aquecem. Este mundo armado não está apenas a esbanjar dinheiro. Está a desbaratar o suor dos trabalhadores, o génio dos cientistas, as esperanças das crianças. Isto não é, de maneira nenhuma, um modo de vida, seja em que sentido for. Sob as nuvens da guerra, é a humanidade crucificada numa cruz de ferro. – Dwight D. Eisenhower

DEVE SER DIFÍCIL SER-SE MAIS CLARO, MAIS FIRME, MAIS ACUTILANTE. ISTO É DITO POR QUEM METEU AS MÃOS NA MASSA SANGRENTA DA GUERRA. NÃO POR MINISTROS QUE A DECRETAM E NUNCA  A  EXPERIMENTARAM.

Eugénio Lisboa,
que selecionou e traduziu.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Claridade

Maria Antonieta Lisboa
Quando te vi, eras discreta e posta
em sossego, tal e qual a Inês
do verso de Camões. “Ela não gosta”,
pensei, “de se ver exposta, talvez.”
 
Falavas pouco, mas sempre a propósito,
com suavidade e ironia fina,
deixando, com cuidado, em depósito,
teu toque suave de Indochina.
 
Prometias doçura e lealdade,
talvez amor, mas sendo delicado,
cheio de pudor e de claridade.
 
Minha vida por ti iluminada
foi tudo quanto não teria sido,
se me não tivesses acontecido.
                         27.09.2023
Eugénio Lisboa

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Viajar (4) - Uma Viagem pela Eslovénia

 
Slovenia - 4K Scenic Stress Relief Relaxation Film With Calm Peaceful Music.
"Embarque numa viagem serena pelas paisagens imaculadas da Eslovénia, uma joia escondida no coração da Europa. Este filme relaxante de 20 minutos é o seu ingresso para vistas alpinas de tirar o fôlego, lagos tranquilos e vilas encantadoras. Acompanhado por uma música suave e relaxante, deixe a beleza natural da Eslovénia eliminar o stress e transportá-lo para um lugar de calma e tranquilidade. 
Mergulhe nas águas cristalinas do Lago Bled, passeie pelas exuberantes florestas verdes e explore a beleza de conto de fadas de Ljubljana, a capital." Scenic Film

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Eça de Queirós não era “pessoa de bem”


Eça de Queirós não era “pessoa de bem”
por Eugénio Lisboa
“Meter Eça no  Panteão, para o amaciar, é o mesmo que ter metido Santana Lopes no governo para o calar. Aos reguilas, é costume querer domesticá-los, dando-lhes presentes, sinecuras, ministérios, academias e penduricalhos. Meter o Eça no Panteão é querer fazer crer que ele não escreveu A RELÍQUIA ou A CAPITAL (talvez a obra-prima do “roman noir”, em Portugal). Panteonizar Eça é intrujar as pessoas, fingindo que o Eça não é o Eça. É querer enterrá-lo, definitivamente, numa falsa “respeitabilidade”, que ele nunca teve nem quis ter (não me perguntem onde ele “diz” isso, toda a sua magnífica obra O DIZ por ele). Não concebo nem um Juvenal nem um Jonathan Swift, num Panteão romano ou inglês, caso estes existissem. Há escritores, músicos, pintores que não são misturáveis com a pompa solene dos Panteões. Não se trata de se não merecerem uns aos outros: trata-se tão só de não serem COMPATÍVEIS, tal como a água e o azeite não serem miscíveis, mesmo sem se discutirem os seus méritos). Eu não vejo o intemerato Swift a ser benzido por um cardeal aparatoso, como não vejo um gato a obedecer a um cão. E gosto muito de gatos e de cães. Molière nunca entrou na Academia e Stendhal também não. A “vieille guarde” de Napoleão disse “merda” ao general Wellington e preferiu ser trucidada a render-se. Eça, diplomata nunca vendido ao discurso suave, jamais se rendeu ao bempensismo. Querem capturá-lo agora, depois de morto. Querem fazer dele “pessoa de bem”, segundo os códigos de comportamento da gente de extrema-direita. A mesma gente a que Bertrand Russell chamava “nice people”, da qual fez o mais demolidor diagnóstico de que tive conhecimento. Eça não era “pessoa de bem”, selon Ventura, como não eram “pessoas de bem” Aristófanes, Juvenal, Voltaire, Molière (sobretudo o de TARTUFO), Bocage, António Vieira, entre outros.
O que um escritor “diz” não é só ou não é, sobretudo, o que ele diz explicitamente. O que ele realmente diz é o que toda a sua obra inculca. Eça não diz ostensivamente que não quer ir para o Panteão, mas toda a sua obra o grita. Isto, que não tem validade jurídica, devia tê-la para os seus herdeiros, se, improvavelmente, tivessem lido, com mão diurna e nocturna, a obra do seu antepassado. Conversei um dia com um descendente de Eça, que tinha Eça de Queirós no seu apelido, o qual descendente me confessou, com toda a candura, não ter lido um único livro do seu ilustre antepassado. Não seria interessante fazer um miúdo escrutínio às leituras dos dezasseis bisnetos favoráveis à trasladação? Aqui fica, grátis, a sugestão.”
Eugénio Lisboa, 26.09.2023

Toda aquela magnificência da serra

A Cidade e As Serras
por Eça de Queiroz
" Afortunado Jacinto, na verdade! Agora, entre campos que são teus e águas que te são sagradas, colhes enfim  a sombra e a paz!
Li ainda outros versos . E, na fadiga das duas horas de égua  e calor desde Guiães, irreverentemente adormecia sobre o divino  Bucolista - quando me despertou um berro amigo! Era o meu Príncipe. E muito decididamente , depois de me soltar do seu rijo abraço , o comparei a uma planta  estiolada , emurchecida na escuridão , entre tapetes e sedas, que,  levada para o vento e sol, profusamente regada , reverdece, desabrocha e honra a Natureza! Jacinto já não corcovava. Sobre a sua arrefecida palidez de supercivilizado, o ar montesino , ou vida mais verdadeira, espalhara um rubor trigueiro e quente de sangue renovado que  o virilizava soberbamente. Dos olhos, que na Cidade andavam sempre tão crepusculares e desviados do Mundo, saltava agora um brilho de meio-dia, resoluto e largo, contente em se embeber na beleza das coisas. Até o bigode se lhe encrespara. E já não deslizava a mão desencantada sobre a face - mas batia com ela triunfalmente na coxa. Que sei? Era um Jacinto novíssimo. E quase me assustava , por eu ter de aprender e penetrar, neste novo Príncipe, os modos e as ideias novas.
- Caramba, Jacinto, mas então...?
Ele encolheu jovialmente os ombros realargados . E só me contar, trilhando soberanamente com os sapatos brancos e cobertos de pó o soalho remendado, que, ao acordar em Tormes, depois de se lavar numa dorna, e de enfiar a minha roupa branca, se sentira de repente como desanuviado , desenvencilhado! Almoçara uma pratada de ovos com chouriço, sublime. Passeara por toda aquela magnificência da serra com pensamentos ligeiros de liberdade e de paz. Mandara ao Porto comprar uma cama , uns cabides ...E ali estava...
(...)
De tarde , depois da calma, fomos vaguear pelos caminhos coleantes daquela quinta rica , que através de duas léguas , ondula por vale e monte. Não me encontrara mais com Jacinto desde o remoto dia de entremez em que ele tanto sofrera no sociável e policiado bosque de Montmorency. Ah, mas agora com que segurança e idílico amor ele se movia através dessa Natureza , de onde andara tantos anos desviado por teoria e por hábito. (...)
Agarrava o meu pobre braço, exigia que eu reparasse com reverência. Na Natureza  nunca eu descobrira um contorno feio ou repetido! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte , se assemelhassem! Na Cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente  a outra casa; todas as faces reproduzem  a mesma indiferença ou a mesma inquietação; as ideias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras;  e até o que há de mais pessoal e íntimo , a Ilusão é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro... A mesmice - eis o horror das Cidades!"
Eça de Queiroz, in A Cidade e As Serras, Lello&Irmãos - Editores, Porto,  pp.187,188,193,194,195

 

Sobre o livro:

"A Cidade e as Serras foi o último livro de Eça. Não teve tempo de dar o seu toque final com a sua revisão sempre perfeita, porque morreu em 16 de Agosto de 1900. Da página 194 em diante, as provas não passaram pela sua releitura exigente. Não deu a última demão. O romance foi escrito na  primeira pessoa. O narrador José Fernandes conta a história do protagonista Jacinto de Tormes, que nasceu e foi criado em Paris, mas era filho de fidalgos portugueses de Tormes.

O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.

No primeiro parágrafo, o narrador descreve, em breves linhas, o amigo protagonista. E o lugar onde vive:

No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina  e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos de el-rei d. Dinis. A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de Âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº 202. " 

Ia eu…

Panteão Nacional

Ia eu a subir pró Panteão,
escorreguei e dei um trambolhão.
Nada se perdeu, porque estava morto,
mas, mesmo morto, ficou-me o pé torto.
 
Fui vendo, lá do sítio onde estava,
um cortejo solene que grimpava:
eles eram bispos e cardeais,
tudo gente de ademanes feudais.
 
Ele era ministros e militares
muito eriçados e dando-se ares,
mas, deles todos, quem mais me tocou
 
foi Carlos do Ego, que dedicou,
a este morto, altíssimo verbo,
assaz digno de tribuno soberbo!
                           25.09.2023
Eugénio Lisboa

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Por favor, não panteonem o EÇA!

Eça de Queirós
 
Por favor, não panteonem o EÇA!
por Eugénio Lisboa
 
T. aconselhou, então, que se forrassem as paredes com pele humana: um outro achou ostentosa a pele humana, e disse, beatificamente, que, como mais modesta e mais duradoura lhe parecia preferível a  pele catedrática. Outro instou para que se forrasse o quarto com as folhas dos compêndios: eu opus-me severamente a isso, dando as mesmas dolorosas razões que daria um preso se lhe quisessem forrar as paredes da enxovia com um tecido feito dos seus próprios remorsos.
                                                          Carta a Carlos Mayer
 
 
"A passagem em epígrafe indicia, de maneira inequívoca, que, para o grande poeta satírico que foi Eça, não havia limites para o atrevimento da sua língua mordaz. Desde afirmar, em certo momento de indignação, que a bandeira portuguesa, em vez de cinco quinas, devia ter cinco nódoas, até pedir a Ramalho Ortigão que fizesse desbocada chantagem com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, pedindo-lhe que lhe pagasse (a ele, Eça), se não quisesse que este publicasse um romance que deixaria a reputação de Portugal pelas ruas da amargura – valia tudo. Sem excluir que disse, em carta a Pinheiro Chagas, que “o nosso império no Oriente fora um monumento de ignomínia.” A vigorosa defesa que fez, em Cuba, dos trabalhadores chineses oriundos de Macau, miseravelmente exploradas pelos cubanos, fê-lo em termos que os diplomatas não costumam afagar. Livros como A RELÍQUIA, ou A CAPITAL ou O CONDE DE ABRANHOS ou O CRIME DO PADRE AMARO, não costumam ser currículo academizável ou panteonável. Eça era destemidamente atrevido e a sua graça reguila era um dos seus irresistíveis encantos. Este impenitente Gavroche , que sempre suscitou admirações de gente de paladar linguístico apurado, mas nunca o “entusiasmo” de multidões, merece, como ninguém, que o deixem fora das pompas solenes de um cortejo panteónico. Eça foi sempre um “gamin” de alto gabarito: deixem, pois, continuar a sê-lo, à revelia das recomendações “catedráticas” daqueles cuja pele serviria bem para forrar as paredes de um quarto, mas para pouco mais. Eça de Queiroz e a pompa não são miscíveis. Quem não compreendeu isto não compreendeu nada da sua obra. Podem ter escrito muito sobre ele, mas não escreveram, de modo nenhum, SOBRE ELE PROFUNDO.
Ponham-se agora a catar nos textos, a ver se ele, em algum lado, disse ou não disse, explicitamente, que quereria ir ou não ir para o Panteão. Não hão de ir longe. Não é aí que se encontra a resposta."
Eugénio Lisboa, 24.09.2023

Alguns aforismos irritantes


Alguns aforismos irritantes
por Eugénio Lisboa
 
A poesia é a preguiça da prosa.
A poesia contenta-se com pouco conteúdo. A prosa é mais exigente.
A poesia vive de intuições. A prosa vive de ideias.
A poesia afaga a obscuridade. A prosa afaga a claridade.
A claridade cega o poeta e amplia a visão do prosador.
A poesia exercita-se a esconder, a prosa esfalfa-se a revelar.
O soneto é uma forma de pudor: dizer o mais possível, no mínimo de palavras.
A inveja do poeta: gostaria que as palavras fossem tão eloquentes como as notas de música.
A vida do poeta não é necessariamente poética. As asas do poeta podem levantar voo a partir de um monturo.
Eugénio Lisboa, 24.09.2023

domingo, 24 de setembro de 2023

Ao Domingo Há Música

A Música está em tudo. Do mundo sai um hino.
A Música é o barulho que pensa 
A Música é o verbo do futuro.
                   Victor Hugo

O barulho que pensa é um modo diferente e belo de definir a Música. Um barulho que não ensurdece mas que deleita nas suas diferentes e diversas vertentes. 
 compositor inglês Edward Elgar  assim o  pensava, quando em 1899, criou as Variações Enigma: um conjunto de variações de uma melodia, cada uma representando um amigo diferente.  Da sua mulher  ao editor musical, cada amigo foi imortalizado na música, evidenciando  o brilho de cada uma das  suas diferentes personalidades.
A peça nunca perdeu popularidade, especialmente com a comovente e poderosa variação 'Nimrod'.  
Edward Elgar, em  Variações Enigma, Op.36: IX. (Ninrode), pela   Queensland Symphony Orchestra, sob a direcção do Maestro  Peter Luff.
 

sábado, 23 de setembro de 2023

Frase do dia

 

Frase do dia
A pensar no Partido Republicano (EUA)
 
Edward Everett Hale foi uma criança prodígio, que , aos 13 anos, conseguiu entrar na prestigiosa Universidade de Harvard. Foi historiador e ministro, e, em 1903, tornar-se-ia capelão. Um dia, alguém lhe perguntou: “Dr. Hale, o Senhor reza pelos senadores?” Respondeu:

Não, eu olho para os senadores e rezo pelo país.

Pudessem os americanos religiosos olhar para o Partido Repulicano e para Domald Trump e rezar pelo seu país!
 Eugénio Lisboa, 23.09.2023

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Requiescat in pace

 
Nem na morte nos deixam sossegar
os que se agitam no palco da vida;
pretende-se, diz-se, homenagear
os que já se encontram de partida.
 
O morto torna-se apenas pretexto
para chocalhos, trombetas e buzinas
e, até mesmo, para um hipertexto,
que se preste a afagá-lo em surdina.
 
Tudo que o morto quer é que o deixem
ficar muito morto e sossegado,
sendo, pois, desejável que afrouxem
 
o banzé que o aflige, já calado!
Morrer é não desejar mais conversa,
agora que a vida ficou submersa.
                          22.09.2023
Eugénio Lisboa

Um sonho que mirrou

Regresso

Pátria magra - meu corpo figurado...
Meu pobre Portugal de pele e osso!
Nada na tua imagem se alterou: 
A casca e o caroço
Dum sonho que mirrou..
             Vilar Formoso , 13.06.1960
Miguel Torga, in Obra completa - Diário IX, Círculo de Leitores, p.846


Lamento

Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?

Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido
Mas ainda lembrado da epopeia!
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente...
       Chaves, 11.09.1975
Miguel Torga, in Obra completa-Diário XIICírculo de Leitores, p 1197
Coimbra , 14 de Novembro de 1985
Há uma coisa que nunca poderei perdoar aos políticos: é deixarem sistematicamente sem argumentos a minha esperança”.
Miguel Torga, in  Obra completa - Diário XVI, Círculo de Leitores , p1438

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Mais algumas novidades literárias para Setembro

 

Guerra & Paz Editora
Campanha Os Livros Não se Rendem
Caros leitores,
Como já tão bem sabem, Os Livros Não se Rendem é a nossa colecção mais querida. Temos um gosto especial em trazer ao grande público os melhores ensaios publicados nos séculos XX e XXI. Por isso, trazemos de volta esta campanha que foi tão recebida por vocês. Na compra de um livro da colecção, oferecemos outro dentro de uma selecção feita por nós Basta ir ao link abaixo, selecionar o livro da colecção que quer e depois escolher o livro de oferta. Esta campanha está em vigor até dia 30 de setembro. (Guerra&Paz)
21 setembro - dia mundial de Alzheimer
Amanhã é o dia mundial da doença de Alzheimer, uma doença que continua a afectar tantas pessoas de uma forma devastadora - directa ou indirectamente. A Guerra e Paz publicou vários livros sobre esta temática que ainda é essencial hoje em dia.


Centenário de Urbano Tavares Rodrigues
"Grande romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta, Urbano Tavares Rodrigues faria, no próximo mês de Dezembro, cem anos. E é esse centenário que se celebra na edição comemorativa de Urbano Tavares Rodrigues: O Livro Aberto de Uma Vida Ímpar, obra que resulta da transcrição da longa entrevista biográfica concedida a José Jorge Letria em 2013, em que, além do seu admirável percurso de vida, revela um olhar atento e preocupado sobre questões como a infância, as decisões de vida, a actualidade e o futuro dos jovens, tão pertinentes hoje quanto há dez anos. Esta novíssima edição com a chancela da Guerra e Paz e o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores, que conta com prefácio actualizado de José Jorge Letria, estará disponível, quer na rede livreira nacional, quer no site da editora, a partir do  dia 12 de Setembro.
«Defensor dos valores da lealdade e da coragem cívica […] o Urbano que reencontramos neste livro é o grande criador literário e o amigo de sempre. Era um homem bom, generoso e combativo e um grande escritor que deixou uma obra de referência que é preciso reler sempre com entusiasmo e gosto.» É desta forma que José Jorge Letria homenageia, uma vez mais, o extraordinário legado de Urbano Tavares Rodrigues no prefácio que inaugura esta nova edição de Urbano Tavares Rodrigues: O Livro Aberto de Uma Vida Ímpar, livro resultante da entrevista-memória que teve a oportunidade de lhe fazer há 10 anos «em casa, já perto do final da vida».
Na obra, agora recuperada pela ocasião do centenário do seu nascimento, o romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta fala-nos do seu riquíssimo percurso de vida, da infância à idade adulta, da política à literatura. «Foi uma infância feliz em que tive um grande contacto com a Natureza, e isso tinha uma grande, grande carga poética. Só comecei a tomar consciência da realidade social aí pelos meus oito ou nove anos. Então, comecei a dar-me conta das desigualdades horríveis, da miséria, da violência da Guarda Republicana na repressão de coisas tão incríveis como o roubo de um molho de lenha.»
Recorda-se ainda nesta longa e exaltante conversa com Letria episódios, figuras e factos, a nossa história dos últimos 50 anos. «Eu leio o Cinco Dias, Cinco Noites e digo: “Isto é uma maravilha, Maria Eugénia”, e entrego-lho. Portanto, eu passo a ser a primeira pessoa que sabe que o Álvaro Cunhal é o Manuel Tiago, e um dia disse-lhe: “Ó Álvaro, eu sei que o Manuel Tiago és tu.” “Como é que tu sabes?”, perguntou-me ele, surpreendido, e eu disse-lhe: “Ora, por isto, por isto e por isto…”, e ele riu-se.»
Urbano Tavares Rodrigues não só se expõe sem medos ou reticências, como ilumina, demonstrando sempre determinação e. sobretudo. independência e pensamento livre. «Embora eu partilhasse com eles (neo-realistas) a visão socialista do mundo e do futuro, a minha vida não era a visão marxista da sociedade sem classes. A estética era completamente diferente, porque a estética dos neo-realistas é a do herói colectivo e, realmente, na minha obra, embora o povo tenha uma presença muito forte, o herói é sempre o herói individual que se interroga, que é solidário e que luta pelos outros e com os outros, mas que é sempre um eu interrogativo.»
Um livro para conhecermos ainda melhor Urbano. Um livro, afinal, para nos conhecermos melhor a nós próprios, Urbano Tavares Rodrigues: O Livro Aberto de Uma Vida Ímpar chega à rede livreira nacional no dia 12 de Setembro. Este é um livro da colecção «O Fio da Memória», que resulta da parceria entre a editora e a Sociedade Portuguesa de Autores.
Ao prefácio actualizado, esta nova edição acrescenta ainda o poema Urbano: uma carta de afecto, que José Jorge Letria dedica a Urbano Tavares Rodrigues e fotografias do percurso de vida do homenageado. «Lembras-te, Urbano, de tudo o que vales / para nós que te lemos e estimamos, / geminados nesse amor à vida / que se tornou laborioso amor à escrita, / coração altaneiro e livre a marcar o ritmo / de tudo o que ainda nos falta descobrir?» Guerra & Paz
Diálogo com José Jorge Letria
Não-Ficção / Memórias
128 páginas · 15×20 ·
Preço. 13,99€
Nas livrarias a 12 de Setembro
Ver livros da Guerra & Paz

Novidades











Porto Editora
Na Singular, (nova chancela da Porto Editora) o único limite é a imaginação e a nossa é tão vasta como o universo das histórias que vamos publicar.
Conheça os livros que não vão ficar na estante.
Conhecer Livros

Grupo Presença

Romance Contemporâneo
Eu Sou um Gato, de Natsume Sōsek
Quem melhor do que um gato para falar sobre pessoas? A obra-prima de Soseki, autor de Kokoro, é um dos clássicos japoneses mais lidos em todo o mundo.
Recorrendo a teses e ideias de filósofos e escritores passados, em Eu Sou Um Gato, Soseki revela aquela que considera ser a mudança necessária para o país que o viu nascer, propondo uma nova forma de pensar e escrever, sem nunca deixar, também, de olhar para o Ocidente.
19,90€ -10%
17,91€


História
A Guerra Russo-Ucraniana – O Regresso da História, de Serhii Plokhy
No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia chocou o mundo ao invadir a Ucrânia. Enquanto tentava saber como estavam a família e os amigos - então apanhados de surpresa na linha da frente do maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial -, o aclamado historiador ucraniano-americano Serhii Plokhy estava, como seria inevitável, a tentar perceber as causas profundas da invasão, analisando os desenvolvimentos e perspetivando as consequências de grande escala.
21,90€ -10%
19,71€


Grupo Almedina
O que há de novo nas Ciências Sociais e Humanas?
Um conhecido mediólogo investiga a comunicação social portuguesa e exorta a uma mudança radical na prática jornalística nacional, para o bem da democracia. Do outro lado da fronteira, um filósofo catalão debruça-se sobre os «infinitos essenciais do ser humano», para o bem de todos.
Boas Leituras.

 

NOVIDADE
Repensar a paisagem mediática portuguesa.
Um contacto permanente com os média portugueses reforça a antiga convicção de que a paisagem mediática é particularmente desequilibrada e débil, comparada com as congéneres dos outros países da Europa ocidental.
Como tal, é imprescindível operar uma mutação de fundo na atual prática do jornalismo em Portugal, de forma a que o mesmo se transforme num pilar de uma sociedade democrática e esclarecida.
SUGESTÕES – COMUNICAÇÃO
 

23,90€

21,51€

COMPRAR

DISPONÍVEL
EM E-BOOK

NOVIDADE

Ensaio sobre viver, pensar e amar, por um dos mais reputados filósofos europeus.
Este ensaio aborda de forma subtil e inesperada os «infinitivos essenciais» do ser humano. Trata-se de uma valiosa contribuição filosófica, desenvolvida a partir do conceito de «plissagem do sentir».
O estilo singular do autor permeia o livro serena mas tenazmente, como uma chuva fina, propondo um itinerário revelador ao longo de páginas dedicadas à comoção, ao desejo, à criação, à amizade, à revolução e à gratidão.


SUGESTÕES – FILOSOFIA

 

15,90€

14,31€

COMPRAR

DISPONÍVEL
EM E-BOOK

O PANTEÃO

Panteão Nacional - Lisboa
O PANTEÃO
por Eugénio Lisboa
O Panteão de um escritor são os seus leitores. Se estes não continuarem a existir, não há Panteão que os salve. Eça está, há muito e para sempre, no seu feliz Panteão: os leitores que o admiram e, na sua afiada e inovadora língua, se banham.
Uma das grandes forças da visão e da estilística de Eça foi sempre uma elegante e nobre distanciação da pompa, que considerava cómica e apenas bom material para uma desenfastiada chacota. Quem leu as inesquecíveis e contundentes páginas de UMA CAMPANHA ALEGRE, se tiver alguma sensibilidade e algum pudor, ficará assustado ao antecipar o que vão ser as palavras eriçadas que as “entidades” de colarinho engomado lhe vão fazer chover em cima (caso isso aconteça…), no próximo dia 27. Eça vai ter de dar muitas voltas, no túmulo, a tentar destemidamente evitar que lhe remexam nos ossos. E não vale a pena invocar a autoridade de eminências académicas, para justificar o injustificável: os textos e a vida do escritor falam por si. Deixemo-nos de hesitações eruditas e de talvez mas contudo: Eça abominaria ir para o Panteão. Bolas, leiam-lhe a obra com olhos de ver e ler! E deixem-se de pedir a opinião de “autoridades” académicas: consultem os textos! Arre!
 
P. S. – Entrou, ontem, em tribunal. uma Providência Cautelar, para travar esta idiota trasladação. Vamos ver se a festa se azeda.
Eugénio Lisboa, 20.09.2023

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Infelizmente

O material escolar mais barato que existe na praça é o professor.
                   Jô Soares, humorista brasileiro, 1938 – 2022

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Viver sem sentido

Se a vida pode bem ter sabor,
não é certo que ela tenha sentido.
Ter sabor é o mesmo que ter calor,
não é triunfo por nós conseguido.
 
O sabor é fruído mas passivo,
inventado seria o sentido
que não fosse apenas subjectivo,
mas objectivamente conseguido.
 
Mas como dar à vida algum sentido,
quando tudo, nela, parece absurdo?
Se, ao sentido, se tenta dar ouvido,
 
por que permanece este tão surdo?
Pode, então, viver-se sem sentido?
Posso eu achar-me, estando perdido?
                                         19.09.2023
Eugénio Lisboa

Interlúdio Musical

 
BBC Proms 2023: Bruch Violin Concerto No.1 in G minor, Op.26, pela violinista Bomsori Kim  e  a BBC Philharmonic,  sob a direcção do Maestro Anja Bihlmaier , no Royal Albert Hall, London ,  em 14 de Julho de  2023 © 2023 BBC.

 00:00 Preset
 00:41 I. Vorspiel. Allegro moderato
 09:00 II. Adagio
17:31 III. Finale. Allegro energico

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A Moção de Censura do Ventura

O Ventura que é André
tem agora cobertura
para a moção de censura,
de alguém cheio de fé
nas virtudes do mercado:
quanto mais livre este for,
mais acende o fervor
de quem o tem bem ferrado!
O Ventura, bom racista
e o Rocha, liberal,
vivem no mesmo curral,
em doce visão autista.
Expelido o cigano,
ficando o rico mais rico
e o pobre só com nico,
como não ficar ufano?
Um apura a etnia,
outro dá felicidade
a quem ganhe e arrecade
a boa e grossa maquia!
Felizes, Ventura e Rocha,
um, com país ariano,
outro, com rico bacano,
enquanto o pobre amocha.
Viva a raça apurada
e os ricaços felizes
e não haja mais deslizes,
nesta campanha sagrada!
                         18.08.2023
Eugénio Lisboa,
que não é rico nem pobre e também não é ariano.

Ivette

Ivette
por Guy de Maupassant
I
“De saída do Café Riche1, Jean de Servigny disse para Léon Saval:
 — Se quiseres, vamos a pé. O tempo está demasiado bom para apanharmos um fiacre. E o amigo respondeu:
— É mesmo o que me está a apetecer.
Jean prosseguiu:
— Ainda passa pouco das onze, iremos chegar muito antes da meia‑noite, portanto vamos com calma.
 Uma multidão irrequieta fervilhava na alameda, aquela massa de gente que, nas noites de verão, se agita, bebe, murmura e flui como um rio, satisfeita e alegre. Aqui e ali, um café lançava um grande jorro de luz sobre o amontoado de bebedores, sentados no passeio diante de mesinhas cobertas de copos e garrafas, atrapalhando a passagem dos transeuntes apressados. E na calçada, fiacres de lanternas como olhos, vermelhas, azuis ou verdes, cruzavam de repente a claridade da fachada iluminada, revelando por um segundo a silhueta esguia e saltitante do cavalo, o perfil elevado do cocheiro e a carroçaria escura da carruagem. Os da L’Urbaine produziam manchas claras e rápidas, quando os seus painéis amarelos eram atingidos pela luz.
Os dois amigos caminhavam em passo lento, de charuto na boca e casaca, com o sobretudo no braço, flor na lapela e chapéu um pouco inclinado, como se põe às vezes, por negligência, quando se jantou bem e a brisa sopra morna.
Unia os dois uma afeição estreita, devotada e sólida, desde o tempo do colégio.
Jean de Servigny, baixo, esguio, um pouco calvo, com ar frágil, muito elegante, de bigode frisado nas pontas, olhos claros e lábios finos, era um desses homens da noite que parecem ter nascido e crescido na boémia. Incansável embora sempre com um ar extenuado, vigoroso embora pálido, era daqueles parisienses magros a quem o ginásio, a esgrima, os banhos e a sauna imprimiram uma força nervosa e artificial. Era tão conhecido pela sua estroinice como pela sua inteligência, a sua fortuna, as suas relações, e por aquela sociabilidade, aquela amabilidade e aquela galanteria mundana peculiares a certos homens.
Um verdadeiro parisiense, pois, fútil, cético, volúvel, cativante, enérgico e indeciso, capaz de tudo e de nada; egoísta por princípio e generoso por impulso, consumia os seus rendimentos com moderação e divertia‑se com higiene. Indiferente e apaixonado, deixava‑se levar e recuava constantemente, impelido por instintos antagónicos e cedendo a todos, para acabar a obedecer ao seu juízo de folgazão vivaço, cuja lógica de catavento consistia em deixar‑se ir com a corrente e tirar proveito das circunstâncias, sem se dar ao trabalho de as produzir.
O seu companheiro, Léon Saval, também rico, era um desses magníficos colossos que fazem as mulheres voltar a cabeça na rua para os mirarem. Parecia um monumento feito homem, um padrão da raça, à semelhança daqueles objetos que são enviados para exposições como modelos. Demasiado bonito, demasiado alto, demasiado largo, demasiado forte, pecava um pouco por excesso de tudo, por excesso de qualidades. Tinha provocado inúmeras paixões.
Chegados diante do Vaudeville2, perguntou:
 — Preveniste a senhora de que me ias levar contigo?
 Servigny desatou a rir.
— Prevenir a Marquesa Obardi! Acaso prevines o cocheiro de um fiacre de que vais apanhá‑lo à esquina da avenida?
Um pouco perplexo, Saval perguntou:
— Afinal, quem vem a ser essa pessoa?
O amigo respondeu:
 — Uma arrivista, uma aventureira, uma cortesã encantadora; saída não se sabe de onde, apareceu um dia, não se sabe como, no mundo dos aventureiros, onde consegue fazer figura. O que não nos interessa para nada. Diz‑se que o seu verdadeiro nome, nome de solteira — pois permanece solteira a todos os títulos, exceto o da inocência —, é Octavie Bardin, daí o Obardi, afixando a primeira letra do nome próprio e suprimindo a última do apelido.
 “À parte isso, é uma mulher amável, de quem vais inevitavelmente ser amante, pelo teu físico. Não se introduz Hércules na casa de Messalina sem que algo aconteça. Devo, no entanto, acrescentar que, por a entrada nesta morada ser livre, como nos bazares, não se é rigorosamente obrigado a comprar o que aí está à disposição. Temos amor e cartas para consumo, mas ninguém é obrigado nem a um nem às outras. A saída também é livre.
 “Ela instalou‑se há três anos na Étoile, bairro duvidoso, e abriu os seus salões a essa escória dos continentes que vem a Paris exercer os seus diversos talentos, temíveis e criminosos.
“Fui dar à casa dela! Como? Já não me lembro. Apareci lá, como os demais, porque se joga, porque as mulheres são fáceis e os homens desonestos. Adoro esse mundo de embusteiros com insígnias variadas, todos estrangeiros, todos nobres, todos titulados e todos desconhecidos das respetivas embaixadas, com exceção dos espiões. Todos falam de honra a despropósito, citam antepassados a propósito de nada, contam histórias da sua vida a propósito de tudo; fanfarrões, mentirosos, trapaceiros, perigosos como os seus baralhos, falsos como os seus nomes, ousados por necessidade, como os assassinos que, para roubarem as pessoas, têm de pôr em risco a própria vida. Enfim, é a aristocracia do cárcere.
“Adoro‑os. São interessantes de entender, interessantes de conhecer, divertidos de ouvir, frequentemente espirituosos, nunca banais como os mangas de alpaca franceses.
“As mulheres são sempre bonitas, com um leve toque de malícia estrangeira e o mistério das suas existências anteriores, metade das quais eventualmente passadas nalguma casa de correção. Têm, de uma maneira geral, olhos magníficos e cabelos incomparáveis, a aparência certa para o ofício, uma graça inebriante, uma sedução que leva a loucuras, um encanto perverso e irresistível! São conquistadoras como os salteadores de estrada de outrora, vorazes, verdadeiras fêmeas de aves de rapina. Também as adoro.
“A Marquesa Obardi é uma dessas típicas cortesãs elegantes. Madura e sempre bela, sedutora e felina, percebe‑se nela depravação até à medula. É grande a diversão em sua casa, joga‑se, dança‑se, come‑se… enfim, faz‑se tudo o que constitui os prazeres da vida mundana.”
 Léon Saval perguntou:
 — Foste ou és seu amante?
Servigny respondeu:
 — Não fui, não sou e nunca serei. Vou lá sobretudo por causa da filha.
 — Ah! Ela tem uma filha?
— Se tem uma filha! Uma maravilha, meu caro. É hoje a principal atração desse covil. Alta, magnífica, madura no ponto, dezoito anos, tão loira como a mãe é morena, sempre alegre, sempre pronta para a paródia, sempre a rir com gosto e a dançar com arrebatamento. Quem virá a possuí‑la? Ou quem já a possuiu? Não se sabe. Somos dez à espera, ansiosamente à espera.
 “Uma rapariga assim, nas mãos de uma mulher como a Marquesa, representa uma fortuna. E elas fazem jogo duro, as duas libertinas. Não deixam perceber nada. Devem estar à espera de uma oportunidade… melhor… do que eu. Mas garanto‑te que a vou agarrar bem… a oportunidade, se a vir.
 “Essa rapariga, a Yvette, deixa‑me absolutamente desconcertado. É um mistério. Se não é o monstro de astúcia e perversidade mais acabado que já conheci, é certamente o mais maravilhoso fenómeno de inocência que se pode encontrar. Vive naquele meio infame com um à‑vontade tranquilo e triunfante, como admirável celerada ou total ingénua.
 “Rebento maravilhoso de aventureira, criada no meio do esterco daquele mundo, planta magnífica alimentada na podridão; talvez filha de um homem de alta linhagem, de algum grande artista ou de algum grande senhor, de algum príncipe ou de algum rei caído, certa noite, no leito da mãe — não se consegue perceber o que ela é, nem o que pensa. Mas vais vê‑la.”
Saval pôs‑se a rir e disse:
— Estás apaixonado por ela.
 — Não. Sou parte interessada, o que não é a mesma coisa. Aliás, vou apresentar‑te os meus copretendentes mais sérios. Mas tenho boas hipóteses. Disponho de vantagem, demonstram‑me alguma preferência.
Saval repetiu:
— Estás apaixonado.
— Não. Ela perturba‑me, seduz‑me e inquieta‑me, atrai‑me e assusta‑me. Desconfio dela como de uma armadilha e desejo‑a como se deseja um sorvete quando se tem sede. O seu encanto subjuga‑me e aproximo‑me sempre dela com a mesma apreensão que se tem em relação a um homem suspeito de ser um hábil ladrão. Perto dela, sinto uma atração irracional pela sua possível candura e uma desconfiança muito racional em relação à sua não menos provável astúcia. Sinto‑me em contacto com um ser anormal, fora das leis naturais, especial ou detestável. Não sei.
Saval pronunciou‑se pela terceira vez:
 — Digo‑te que estás apaixonado. Falas dela com uma ênfase de poeta e um lirismo de trovador. Vá lá, olha para dentro, sonda o teu coração e confessa.
 Servigny deu alguns passos sem falar, depois respondeu:
— É possível, de facto. De qualquer forma, ela preenche‑me muito o espírito. Sim, talvez esteja apaixonado. Cogito demasiado nela. Penso nela ao adormecer e também ao acordar… O caso está bastante grave.”
Guy de Maupassant, in “Yvette”, Relógio D’Água Editores, pp.7-11
 
Sobre o livro
"Publicado em 1884, Yvette é uma das mais famosas novelas de Maupassant.
Cortejada pelo elegante Jean de Servigny, a ingénua Yvette toma, pouco a pouco, consciência do meio social equívoco em que a sua mãe, uma aventureira, a faz viver.
Evitando todo o recurso ao melodrama, Maupassant descreve com subtileza o percurso sentimental de Yvette."
Sobre o autor:
"Guy de Maupassant nasceu a 5 de Agosto de 1850, na Normandia. Os seus avós paternos pertenciam à alta burguesia. Na vivenda familiar das Verguies, em Étretat, foi educado pela mãe, a sensível e autoritária Laure Le Poittevin, que lhe legou o gosto pela literatura e a neurastenia, e pelo padre Aubourg, que lhe ensinaria as declinações latinas.
1857 foi o ano de publicação de As Flores do Mal e de Madame Bovary.
Os pais separaram-se quando Guy tinha dez anos. Depois de frequentar e ser expulso de um seminário, entrou como interno no Liceu de Ruão, ficando ao cuidado do poeta e amigo da família Louis Bouilhet, conservador da biblioteca local. Foi ele quem o apresentou a Gustave Flaubert, então com quase 50 anos. Durante a guerra franco-prussiana de 1870, Guy prestou serviço militar em Paris. Depois da derrota e da Comuna de Paris, deixou o Exército e requereu um emprego no Ministério da Marinha. Sempre que podia, escapava à repartição para ir navegar e banhar-se, com barqueiros e pescadores, no Sena e no Marne.
Começou então a escrever contos e artigos nos jornais, em especial no Le Gaulois. Até à morte de Flaubert, manteve com ele uma profunda amizade e uma relação de discípulo. Em 1878 demitiu-se do Ministério da Marinha e entrou no da Educação. Conviveu com Zola, desde 1877, e fez parte do grupo de amigos que se reuniam, aos domingos, em casa do romancista, em Médan. Numa dessas reuniões, resolveram publicar Soirées de Médan, que apareceu em 1880, e no qual colaborou com o conto Bola de Sebo, elogiado por Flaubert e origem da sua rápida celebridade.
No mesmo ano, saiu o seu volume de poesias Des vers, e no seguinte o de contos A Casa Tellier. Seguiram-se, em 1883, Mademoiselle Fifi e Contos da Galinhola, o ensaio Zola e o romance Uma Vida. Alcançou a glória e a fortuna. Publicou depois o livro de contos As Irmãs Rondoli (1884); o romance Bel-Ami; Contos e Novelas, Contes du jour et de la nuit e Sur l’eau (1885); La Petite Roque (1886); os romances Mont-Oriol e Horla (1887) e o romance Pierre et Jean (1888). E finalmente vários volumes de contos.
Após uma juventude saudável, Maupassant foi atingido, a partir de 1878, pela neurose e a sífilis, com perturbações visuais e insónias. Até 1890 viveu um período de glória literária e decadência física acelerada. Tentou suicidar-se em finais de 1891 e deixou de escrever.
Gravemente doente, retirou-se para a sua vivenda de Cannes, em cujo porto ancorava o iate Bel-Ami. Em janeiro de 1892, com crises de loucura e uma paralisia geral, deu entrada numa casa de saúde de Paris, onde morreu, a 6 de julho de 1893. Está enterrado no Cemitério de Montmartre, em Paris."
 
Yvette, de  Guy de Maupassant
Tradução: Ana Cardoso Pires
Editora: Relógio d’Água
Data de Publicação: 09/2023
Nº de Páginas: 104
Formato: 15,3 x 23,3 x 0,875 cms
Acabamento: Capa mole
Preço: 14,40 €