por Eugénio Lisboa
“Leio todas as semanas, com enorme prazer, admiração
e proveito, as admiráveis crónicas de Carmen Garcia. Nelas respiro o ar puro de
uma escrita transparente, escorreita, jamais enviesada, e alimentada por uma
vida de saber e destemida candura, que nos redime de tanta impureza que por aí
se espraia. Carmen Garcia é uma das mais belas mais valias de que se pode
orgulhar o jornalismo, em Portugal. Com ela, sinto-me enormemente endividado,
mas não me importo de estar em dívida. Nem de a ir aumentando, todas as
semanas.
Isto, a propósito de mais uma crónica sua, publicada
hoje (16.07.23), no PÚBLICO, com este título cheio de castanholas: Entre flores,
fandanguillos y alegrias. Nele, Carmen Garcia, com frontalidade, assume, com
orgulho, o seu passado espanhol e transmite-o, com boas razões, aos filhos. Não
diz ter uma nova pátria, diz, decentemente e realisticamente, ter duas. Não
escolhe: acumula. Tal como, na verdade, e recusando liminarmente a mentira.
O texto tocou-me particularmente – perdoem-me o haïssable
moi – porque vivo exactamente esse mesmo dilema que, afinal, o não é. Quando me
perguntam se sou português ou moçambicano, respondo: sou as duas coisas, não
escolho, acumulo. Até posso dizer, sem exagero, que sou também francês e
inglês. Desde muito cedo aprendi a viver com muitas culturas e a sentir-me bem
dentro delas. Não ser um desenraizado, tendo, antes, muitas raízes. O
desenraizado é pobre, o multiplamente enraizado é rico.
Gostaria ainda de dizer a Carmen Garcia, que me
revejo em características que ela aponta nos espanhóis. Cheguei tarde à cultura
espanhola, talvez por a Espanha estar tão perto. Mas, quando a descobri, foi um
espanto. Que gente grande, orgulhosa e galharda! Foi um belo poeta espanhol,
Gabino Alejandro Carriedo, que, um dia, caído das nuvens, apareceu a dar-nos
singular apoio, quando, no semanário A VOZ DE MOÇAMBIQUE, lutávamos a luta de
David contra Golias (Estado Novo). Carriedo tornou-se, desde então, nosso amigo
e excelso colaborador. Quando, certa feita, passei por Madrid, o grande Gabino,
torcido de dores, devido a uma úlcera, fez questão de me passear a mim e minha
mulher, até altas horas da madrugada, pelos lugares selectos de uma Madrid que
não conhecíamos. Bebendo leite, enquanto nós bebericávamos sangria… Convenhamos
que é de gente grande!
Obrigado, Carmen Garcia, não desista de nos
enriquecer todas as semanas: com a sua inteligência, o seu saber da vida, a sua
prosa destemida e limpa, o seu não ter medo de chamar as coisas pelos seus
nomes. Bem haja!”
Eugénio Lisboa, em 16.07.2023
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