Livres Pensantes regressa com duas notícias. Uma que nos é dolorosa : a morte do grande escritor Milan Kundera, de quem, muito cedo, nos tornámos leitores relutantes e a distinção literária concedida a Teolinda Gersão, nome capital das Letras Portuguesas. Teolinda Gersão venceu o Grande Prémio da Literatura com o livro " O regresso de Julia Mann a Paraty".
“Trata-se de um livro de maturidade formal incontestável, associada a um invulgar fulgor criativo”, justificou o júri, no mesmo comunicado, sobre o livro publicado pela Porto Editora em 2021 e que cria “pensamentos em voz alta de três figuras da Cultura da primeira metade do século XX, Freud, Thomas Mann e sua mãe, Júlia Mann”.
A sinopse da obra descreve a narrativa da seguinte forma: “O regresso de Júlia Mann a Paraty são três novelas que se entrecruzam, de modo surpreendente. Através de um conhecimento profundo da vida e da obra de personagens históricas, e respeitando a veracidade dos factos, a autora desvenda o mundo interior de todas elas, vívida e credivelmente ficcionado, numa narrativa fascinante que prende o leitor da primeira à última página.”
“Fruto de uma apurada perícia construtiva, essas falas permitem ouvir o diálogo entre duas personalidades que moldaram a psicologia da profundidade e a arte literária que lhes está associada, a que se junta o testemunho de vida de uma mulher que decorre entre vários mundos, Júlia Mann, nascida no Brasil, levada para a Alemanha e de novo regressada ao seu país de origem. Deste tríptico, também resulta a pintura de um tempo histórico da Europa e do clima social de uma época que continua a dialogar com os mitos fundamentais do nosso tempo”, acrescentou o júri, na acta.
« A ministra da Cultura de França considerou o escritor Milan Kundera como "uma das maiores vozes da literatura mundial", que morreu na terça-feira, aos 94 anos em Paris, onde vivia há muito.
"Uma tristeza imensa. Milan Kundera escolheu a França para nunca deixar de ser livre. Através das suas páginas, ajudou-nos a descobrir quem somos, a encontrar um caminho através do absurdo do mundo. Com ele, morre uma das maiores vozes da literatura europeia", reagiu a ministra da Cultura francesa, Rima Abdul Malak, no Twitter.
Na sessão do plenário, em Estrasburgo, os deputados ao Parlamento Europeu guardaram um minuto de silêncio em homenagem a Milan Kundera.
O eurodeputado francês Bernard Guetta (Grupo do Partido Popular Europeu e dos Democratas Europeus) aproveitou a oportunidade para afirmar que o escritor personificava a unidade da Europa.
"Kundera é certamente um dos maiores escritores da segunda metade do século XX. Foi uma das grandes figuras da primavera de Praga", afirmou, num discurso seguido de aplausos, após o qual os deputados cumpriram um minuto de silêncio.
Nascido na Checoslováquia a 1 de Abril de 1929, tornou-se francês em 1981.
Nos anos 1960, Milan Kundera publicou dois romances, "A Brincadeira”, aclamado pelo poeta francês Aragon, e "Risíveis amores”, um balanço amargo das ilusões políticas da geração do golpe de Praga, que levou os comunistas ao poder em 1948.
Colocado na lista negra do seu próprio país após a primavera de Praga, Kundera exilou-se em França em 1975 com a sua mulher, Vera, uma apresentadora de renome da televisão checa.
Naturalizou-se francês e escolheu o francês, que dominava perfeitamente, como língua de escrita, marcando assim a ruptura com o seu país natal, que lhe retirou a nacionalidade em 1979 e lha devolveu em 2019.
Em 1984, publicou o que alguns consideram ser a sua obra-prima, "A insustentável leveza do ser”, um romance de amor e uma ode à liberdade, simultaneamente sério e leve, cujo tema é a condição humana. O livro foi posteriormente adaptado ao cinema, com Juliette Binoche e Daniel Day-Lewis nos principais papéis.
Analista do seu próprio trabalho, assinou em 1986 o ensaio "A Arte do Romance", onde explica que "ao entrar no corpo do romance, a meditação muda a essência. Fora do romance, encontramo-nos no campo das afirmações, todos têm a certeza da sua palavra: um político, um filósofo, um porteiro... No território do romance, não nos afirmamos: é o território do jogo e das hipóteses".
Em "A Festa da Insignificância", o romancista, através da voz de uma das personagens, continua a sua reflexão sobre o padrão do seu trabalho: "Há muito tempo compreendemos que não é possível reverter este mundo, nem para o reformular, nem para deter a sua infeliz corrida para a frente. Há apenas uma resistência possível: não o levar a sério".»
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