Muito Tempo Há que a Mentira se Tem
Posto em Pés de Verdade
"Muito tempo há que a mentira se tem
posto em pés de verdade, ficando a verdade sem pés e com dobradas forças a
mentira; e é força que, sustentando-se em pés alheios, ande no mundo a mentira
muito de cavalo; e se houve filósofo que com uma tocha numa mão buscava na luz
do meio-dia um sábio, hoje, por mais que se multipliquem luzes às do Sol, não
se descobrirá um afecto verdadeiro. Buscava-se então a ciência com uma vela,
hoje pode-se buscar a verdade com a candeia na mão, que apenas se acha nos
últimos paroxismos da vida."
Padre António Vieira, in "As Sete
Propriedades da Alma"
Política
de Interesse
"Em Portugal não há ciência de governar
nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho,
e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento
político das nações.
A ciência de governar é neste país uma
habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela
inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os
pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali
luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos
princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o
homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em
volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes
vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a
corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se,
brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as
violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens
inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena,
ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis
dos gozos da vaidade."
Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora
(1867)
Mentira e Verdade Desmascaradas
"Se desconfiarmos que alguém mente,
finjamos crença: ele há-de tornar-se ousado, mentirá com mais vigor, sendo
desmascarado. Por outro lado, ao notarmos a revelação parcial de uma verdade
que queria ocultar, finjamos não acreditar, pois assim, provocado pela
contradição, fará avançar toda a rectaguarda da verdade."
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos
para a Sabedoria de Vida'
Nós Estamos num Estado Comparável à
Grécia
"Nós estamos num estado comparável,
correlativo à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo
abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma
decadência de espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão.
Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país católico
e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa –
citam-se ao par a Grécia e Portugal. Somente nós não temos como a Grécia uma
história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo
universal e o museu humano da beleza da arte."
Eça de Queirós, in 'Farpas (1872)'
As Chamadas Verdades Essenciais do
Homem
"As chamadas verdades essenciais do
homem lembram-me às vezes números de um grande programa que os tambores
anunciam pelas ruas fora que vai ser deslumbrante e cumprido à risca, e que os
pobres actores, à noite, realizam sabe Deus como, a passar em claro cenas
inteiras. A afirmar e a prometer, nenhum bicho leva a palma ao colega
antropóide. Mas é vê-lo em plena representação, ou depois dela, no camarim, nu
e lavado. Que miséria! A justiça imanente que pregou e demonstrou,
acrescenta-lhe, por segurança, o ergástulo e o carrasco; ao pecado, junta-lhe a
confissão; à predestinação, o livre arbítrio; à morte, a ressurreição.
Lembra-me sempre a velha história dos castelos de heroísmo e fidelidade, com a
portinha da traição disfarçada nas muralhas..."
Miguel Torga, in "Diário "(1943)
O Paradoxo da Verdade
"O homem deseja e odeia a verdade. Quer
mentir aos outros - quer que o enganem (prefere a ficção à realidade), mas por
outro lado receia o engano, quer o fundo das coisas, o verdadeiro verdadeiro,
etc.
Somente a razão conduz à verdade. Mas
só os fanáticos, os visionários e os iluminados fazem as coisas grandiosas, mudanças,
descobertas. A verdade, de tanto se tornar necessária, conduz à secura, à
dúvida, à inércia - à morte.
É muito natural que os homens odeiem
aqueles que dizem ou tentam dizer a verdade. A verdade é triste (dizia Renan) -
mas, com maior frequência, é horrível, temível, anti-social. Destrói as
ilusões, os afectos. Os homens defendem-se como podem. Isto é, defendem a sua
pequena vida, apenas suportável à força de compromissos, de embustes, de
ficções, etc. Não querem sofrer, não querem ser heróis. Rejeição do
heroísmo-mentira."
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre
os Homens'
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