Que
poesia se admira?
por Eugénio Lisboa
por Eugénio Lisboa
“Haverá aferidores seguros para
avaliar a qualidade da boa poesia? O que é um bom poema? Como se pode estar
certo de que o nosso gostar é um bom indicativo de que o poema é bom?
Fiz, um dia, parte de um júri de
poesia e eu e outro membro do júri inclinávamo-nos claramente para um determinado
livro. O terceiro membro pôs-se ao alto, de forma muito categórica, muito assertiva,
de alguém que nunca tinha dúvidas e nunca se enganava e declarou alto e bom
som: “Esse, de maneira nenhuma!” Confesso que, tendo alguma formação
científica, tanta certeza me chocou.
Um grande físico teórico do século XX
(que alguns equiparam, em grandeza, a Einstein), costumava prevenir alunos e
colegas que tudo quanto ele dizia, devia sempre ser tomado como pergunta e não
como afirmação. Ora, sendo o território da ciência constituído por areias muito
menos movediças do que o território da literatura, e tendo os cientistas tantas
incertezas, que pensar dos literatos que têm tantas certezas? As certezas bem
marteladas, acerca da solidez de edifícios assentes em pilares de duvidosa
resistência, inculcam sempre um défice de inteligência, nos portadores de tais
certezas.
Os poetas têm dito, ao longo dos
séculos, as coisas mais diversas sobre o que faz a boa poesia, sobre o que é um
bom poema, qual, para eles, é o poema favorito. Depois de uma viagem, sempre
interessante, por esse território de definições e escolhas, fica-se no final,
mais inseguro do que antes do começo da viagem. O belo poeta brasileiro, Mário
Quintana (que traduziu, para o Brasil, o grande romance de Proust), disse esta
coisa intensa, sugestiva, mas que deixa de fora muita boa poesia que admiramos:
que um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que é ele que nos está a ler
e não nós a ele.
Paul Celan diz uma coisa igualmente
bela e sugestiva, mas que não cobre, nem de longe, muito boa poesia: “Um poema
é uma espécie de regresso a casa.”
Cada vez mais, penso que ainda o mais
adequado, nestas matérias, é a humildade. A alguém a quem perguntaram qual o
seu poema favorito, respondeu: “Quando vier a primavera”, de Pessoa.
Perguntaram-lhe porquê. Respondeu: “Não sei porquê.” A mim, muitas vezes,
quando me perguntam o que é um bom poema, sou tentado a dizer: “É um poema que
me deixa versos no ouvido” Pode ser um critério duvidoso, mas convivo bem com
esta dúvida.”
Eugénio
Lisboa, 22.04.2023
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