O vento enchia
o Mundo. Mal deixava
lugar para a
tremenda voz das ondas.
Mas era o Mar
apenas que se ouvia.
Todos os verões passávamos uma grande temporada na Praia. O mês de Setembro fazia sempre parte dessa temporada, além de largos dias do mês de Agosto.
Fui , este ano de 2017, à Povoa do Varzim a um evento literário, Correntes d’Escritas, que penso ser considerado o festival literário mais importante da cidade , talvez do país. Homenageava-se o maior crítico literário da actualidade, Eugénio Lisboa, que lançava um novo volume complementar aos cinco tomos das suas valiosas Memórias, “Acta Est Fabula”. Transcrevo um excerto dos textos que compunham a Revista do Festival que era dedicada a este grande escritor, que me dá o privilégio do ser meu amigo:
“(…) Eugénio Lisboa, desde cedo, manteve uma relação com a Póvoa de Varzim, tendo em conta a sua ligação a José Régio que, como se sabe, escreveu grande parte da sua obra poética no Diana Bar.
Foram muitas as correspondências trocadas entre
ambos, desde cedo.
Foi o próprio poeta que escreveu a Eugénio
Lisboa, em carta de 19 de Fevereiro de 1968: «De manhã, depois das dez horas,
ou estou em casa (...) ou no Diana-Bar da Póvoa, onde nos encontrámos da última
vez. No Diana-Bar, de manhã, estou em baixo, no primeiro piso. À tarde,
geralmente no segundo piso, que a gente chama a Galeria. Dessa última vez, foi
aí que nos encontrámos».
O anterior encontro tivera lugar no Verão de 1963
e incluíra uma visita conjunta à Casa de Camilo, em S. Miguel de Seide. Eugénio
Lisboa há-de recordar tais momentos, em carta de 4 de Agosto de 1964: «Tenho
imensas saudades dos dois escassos dias que passei em Vila do Conde/Póvoa, o
ano passado». E há-de celebrar, anos mais tarde, o apaixonado camilianismo dos
dois visitantes, num luminoso ensaio a que deu o saboroso e evocativo título de
«‘Coisas Nossas’. José Régio e Camilo: a love for all seasons», ensaio hoje
disponível no seu Ler Régio.
No Diana-Bar, edifício modernista do final dos anos trinta, plantado no areal da Póvoa de Varzim e virado para a antiga Praia de Banhos, funciona desde 2002 um dos pólos daquele modelar equipamento cultural que é a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto onde, em recente sessão comemorativa dos seus 25 anos, tive oportunidade de tratar o tema «Livros: difícil é lê-los». Todavia, durante seis décadas, o velho e belo Diana-Bar foi um lugar selecto de encontros estivais e de tertúlias intelectuais, onde José Régio escreveu muitas das suas páginas, como ainda hoje é recordado no próprio local. (in “Música no Diana Bar” texto de Jorge M. Martins publicado na Revista Correntes D’ Escritas 2017, cujo dossiê é dedicado a Eugénio Lisboa)
Fui à Povoa.
Já, por lá, passara, ocasionalmente, em variadas épocas. Nesta viagem, queria
ter tempo para uma romaria da saudade. Pretendia calcorrear as ruas da cidade,
em busca do tempo que fora meu, ali. Vã esperança. Apenas o areal e o mar permaneciam
na infância da minha vida. Souberam manter-se indiferentes às falácias do progresso. A geografia da
cidade alterara-se com a invasão de um betão armado que fizera da vila um
aglomerado turístico e balnear igual a muitos outros que proliferam pelo
país e por esse mundo fora. A bela Avenida dos Banhos
estava, agora, delimitada por uma muralha gigantesca de edifícios em série ,
irmanados na mesma linha arquitectónica que
faz deles objecto de rendimento financeiro. O turismo de massas , a
grande aspiração que transformou muito dos nossos mais belos recantos do
litoral em grandes metrópoles de consumo social.
Sobre essa transformação,
retiro, do meu Diário de Bolso, excertos
de duas entradas de Fevereiro, quando
fui à Póvoa:
21.02.2017
(…) Lanço-me, um tanto
confusa, em viagem de reconhecimento pela Avenida dos Banhos. Junto ao areal,
onde criança passei alguns verões memoráveis, existe ainda o Diana Bar. É agora
propriedade da Câmara Municipal.
Tudo o que compõe esta
avenida é novo. Betão armado dando forma a uma fila interminável de prédios
iguais a muitos outros que despersonalizaram a costa portuguesa. A política de
massificação generalizou-se partout, tornando as nossas praias em
lugares fantasmas no Inverno e gaiolas lotadas e insuportáveis no Verão. Resta
o Mar, impassível e sobranceiro à
mudança.
22. 02. 2017
Pela manhã, em romaria
de saudade, tento descobrir a Póvoa de Varzim da minha infância. Quase tudo
mudou, impedindo reconhecer a casa que sempre nos acolheu. Foi demolida, bem
como o jardim que compunha um largo fronteiro. A Póvoa é uma nova povoação que,
como muitas outras cidades costeiras, sofreu uma mudança radical.
A chegada era sempre saudada com intensa alegria, embora disciplinados obedecêssemos às instruções que nos eram dadas. Mas não havia quem nos sustivesse, assim que entrávamos na casa da praia. A corrida era sempre a mesma, repetia-se : verificar cada divisão, olhar cada grande ou pequeno objecto que identificava aquele espaço e chegar ao quarto para nos reapropriarmos de um lugar que nos pertencia, que era nosso.
Nesse dia, nunca havia tempo para ir a banhos, à praia. Quando já estávamos instalados, os nossos pais levavam-nos a dar um passeio pela Avenida dos Banhos e Passeio Alegre , onde estavam o Grande Hotel da Póvoa e o Casino. No Largo fronteiriço, havia uma improvisada loja de aluguer de bicicletas de todos os tamanhos e feitios. Ficavam–me sempre presos os olhos naquelas bicicletas . Foi ali que dei as primeiras pedaladas. Quando deixámos de ir para a Póvoa já sabia andar de bicicleta, com perícia e desenvoltura.
Ganhei também, ali, a minha primeira bicicleta. Quem ma ofereceu foi um dos amigos do meu pai, que acabara de ganhar à roleta no Casino, e se deparou comigo e com o meu pai, no Largo, junto às bicicletas.
Magnânimo, considerou ser o momento de repartir com a filha do amigo um prémio que lhe coubera em dia de sorte, nos ditos jogos de azar. Como sabia do meu fascínio pelas bicicletas , obsequiou-me sem qualquer hesitação.
Exultei de alegria e fui recebida, com verdadeira estupefacção por todos, quando cheguei a casa , a pedalar na bicicleta.
Passou a ser um dos objectos mais cobiçados até ao dia em que duas novas bicicletas vieram aumentar o espólio velocípede da casa.
Sem comentários:
Enviar um comentário