George Bernard Shaw |
A posteridade de alguns Prémios Nobel de Literatura
por Eugénio Lisboa
"Se alguma coisa
Fernando Pessoa viu bem, nos portugueses com que veio encontrar-se, no seu
regresso de Durban, foi o seu profundo e não radicável provincianismo. Somos
provincianos a admirar e somo-lo a não sermos capazes de o fazer, quando disso
seja caso. Um prémio dado lá fora, um elogio vindo de fora, criam um verdadeiro
histerismo nacional, como se fôssemos, de repente, o povo eleito. Já muitas
vezes comparei a sobriedade com que o galardão Nobel é anunciado, recebido e
comentado, na grande imprensa inglesa. Entre nós, com Saramago, foi aquilo que
se viu. Para quem seja minimamente adulto, do ponto de vista intelectual, e
esteja razoavelmente informado dos bastidores e da durabilidade das reputações
dos laureados, o espectáculo da fúria admirativa lusíada é realmente
confrangedor. Nunca vi, em França ou na Inglaterra, falar-se no “nosso” Nobel
André Gide ou T. s. Eliot. Até seria insultuoso pensar que fora o prémio que
lhes dera prestígio e não o seu mérito. O grande dramaturgo George Bernard Shaw
não precisava para nada do prémio, porque já era uma lenda viva, na altura em
que lho deram: quem precisava do prestígio dele era o prémio. Visto isso, até
se deu ao luxo de recusar o dinheiro, aceitando, só por cortesia, o diploma e a
medalha. Por outro lado, se tivermos em conta os verdadeiros gigantes da
literatura que o Nobel ignorou e as verdadeiras e esquecidas mediocridades que
ele se tem fartado de galardoar, ficar-nos-á bem não andarmos com o Nobel
permanentemente colado à figura de Saramago. Lembremo-nos de que foi a Teoria
da Relatividade que deu fama ao grande Físico Einstein e que o Nobel que lhe
conferiram só serviu para diminuir a estatura do prémio, visto que nem sequer
foi atribuído à obra magna do cientista, mas sim a um seu trabalho secundário.
O mais triste, entre
nós, é que nem sequer é só a massa ignara que se porta mal. O nosso muito
estimável Presidente Sampaio inaugurou um protocolo patusco, ao ir a correr a
Estocolmo assistir à cerimónia de entrega do galardão a Saramago. Confesso que
não sei de nenhum outro chefe de Estado que o tenha feito. E o festejadíssimo
ensaísta Eduardo Prado Coelho, exultando naquela glória só equiparável à dos
descobrimentos, avisou a comunidade crítica de que, de ali em diante, quem se
atrevesse a criticar Saramago, “levava”. Num Professor universitário
veneradíssimo, numa jovem democracia que nos deu finalmente a liberdade, esta
rejeição de qualquer crítica por causa de um prémio, explica muita coisa que
aconteceu em Portugal, depois da queda da primeira república. Em vez de
incentivarmos o saudável espírito crítico, promovemos a idolatria. Tem-se visto
isso com os vários gurus de serviço, como foi, por exemplo, a vergonhosa figura
feita pela nossa intelectualidade, durante toda a vida de Eduardo Lourenço e,
particularmente, por ocasião da sua morte. Aquilo não era admiração, era pura
adoração bacoca. Fazerem de um homem que nunca foi filósofo o mais genial
deles, na história da nossa cultura, tem que se lhe diga. Mas poucos, em
Portugal, apreciam o grito “o rei vai nu!”
Vou terminar, propondo
um exercício interessante, a ver se nos tornamos um pouco mais sóbrios. Vou dar
uma lista de laureados com o Nobel de Literatura, que estão hoje completamente
esquecidos. Se algum dos meus leitores tiver lido um livro de algum deles,
agradeço que mo diga.
1901- SULLY PRUDHOME (FRANCÊS)
1903 - BJORSTJERNE BJERNSEN (NORUEGUÊS)
1904 - JOSÉ ECHEGARAY (ESPANHOL)
1908 - RUDOLPH EUCKEN (ALEMÃO)
1910 - PAUL VON HEYSE (ALEMÃO)
1916 - WERNER VON HEIDENSTAM (SUECO)
1917 - KARL ADOLPH GJELLERUP (DINAMARQUÊS)
1917 - HENRIK PONTOPPIDAN (DINAMARQUÊS )
1919 - CARL SPITTELER (SUÍÇO)
1924 - WLADISLAW REYMONT (POLACO)
1928 - SIGRID UNDEST (NORUEGUESA)
1931 - ERIK AXEL KARLFELDT (SUECO)
1939 - FRANS EEMIL SILLANPAA (FINLANDÊS)
1944 - JOHANNES VILHELM JENSEN (DINAMARQUÊS)
1966 - NELLY SACHS (ALEMÃ )
1974 - EYVIND JOHNSON (SUECO)
2009 - HERTA MULLER (ALEMÃ)
DUAS NOTAS: ter dado o
Nobel a BJERNSEN, passando por cima de IBSEN foi uma das enormes gaffes deste
famigerado galardão. Hoje ninguém encena BJERNSEN e IBSEN faz parte do
repertório de todas as grandes companhias. A segunda nota: quando presidia à
Comissão Nacional da UNESCO, fui à Finlândia. Passando por Helsínquia, fui a
livrarias procurar livros do nobelizado em 1939: ninguém sabia quem era."
Eugénio
Lisboa, em 30.07.2022
Ao fazer esta lista, fui generoso: cabiam nela muitos
mais.
Que reflexão tão actual!
ResponderEliminarObrigado.