sábado, 23 de abril de 2022

NOTÍCIAS DA LILIPUTINELÂNDIA


 
Há muito tempo, numa terra, Liliput,
vivia um rei de mau feitio, pior semblante;
constava que comia bifes de mamute
e cultivava um silêncio exorbitante.
Ele era frio e não tinha sentimentos
de ser humano ou animal corrente.
Vivia, devorado por ressentimentos,
que lhe afectavam a tortuosa mente.
Sonhava só com vinganças e com impérios,
com canhões, aviões, tanques e muitas guerras,
e outros muitos, idênticos despautérios
e tudo quanto uma mente sã emperra!
Não gostava de ninguém, nem de si gostava,
sentia repulsa por tudo o que pulsasse,
por isso, mandar matar não lhe custava,
e fazia-o se alguém o irritasse.
Vivia sozinho, não prezava mulheres,
gostava de cobras, de hienas, de chacais,
bebia o sangue de bichos, às colheres
e, nos actos sexuais, suprimia os ais.
Às vezes, a solidão é má conselheira
e o nosso Liliputine não foi excepção:
sempre que magicava uma baboseira,
apetecia-lhe uma grande transgressão..
Um dia, irritou-o que um vizinho,
de usos e costumes diferentes dos seus,
se recusasse a tê-lo como padrinho
e quisesse acesso a uns mares egeus.
Sendo o Liliputine baixo e não dançarino,
subiu-lhe a maldade toda ao miolo
e logo decidiu o grande bailarino
que o seu vizinho o não tomasse por tolo.
Tendo grande imaginação pra pretextos,
de que necessitava, para mais uma guerra,
enterrou-se num bunker, pondo-se a ler textos
que tanta gente matam  e tão pouca enterram.
Invadiu, portanto, o país do seu vizinho,
matou, destruiu, violou e massacrou,
que a ordem era  nada ficar inteirinho,
e os que cumpriram, grato, ele os honrou.
Mas o plano secreto do Liliputine
não era só apoderar-se do vizinho,
dando a esse país nova patine,
tornando-o, por outro lado, mais mansinho.
Não, Liliputine ambicionava bem mais:
não lhe chegava ser monstro muito temido:
soubera de Macbeth, Staline e outros tais,
monstros de um cardápio tão bem servido.
Tinha o seu grande e fantástico projecto:
ser pior do que Macbeth era o seu alvo
autorizar tudo quanto há de abjecto,
tudo esmagando, nada deixando a salvo!
Foi este o seu desejo: não uma conquista
de território ou de maior riqueza:
o que ele tinha era, de sempre, prevista
a ascensão ao título de rei da torpeza.
Isso, dizem os cronistas de Liliput,
ele o conseguiu, a pretexto de uma guerra:
nas crónicas do reino, não há filho da puta,
que, como ele, esteja na berra!
                                  23.04.2022
Eugénio Lisboa

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