"Era a época da Páscoa
que se enchia de muitos momentos de grande assombro. Momentos que nunca me
abandonaram e que me trazem odor , cor e ternura.
Era o tempo da
Primavera e com ela acordava o jardim numa festa de cor e de fragância. Com
sabedoria, E.M. Cioran já afirmara: Se cheirássemos uma rosa até sentir a sua
música, que outra marcha fúnebre nos abriria com maior delicadeza uma tumba no
céu? E não perde o céu o seu próprio brilho, dissolvido numa melodia que baixa
até nós? O jardim era isso: o reino
encantado da minha mãe. Perdia-se nele todos os dias. Plantava, semeava, podava
e acariciava cada jovem flor que brotava. Quando os canteiros se enchiam de
pedúnculos de cujos cálices espreitavam
múltiplas e luminosas flores, uma nova
música soltava-se para dar
início à festa da renovação. Eram jovens e delicadas flores que se abriam aos
raios de um Sol ainda avaro, mas pródigo em luz e presença. Entre elas,
encantavam-me as tulipas. Eram
singulares, majestosas e belas. Havia de
todas as cores . Nesse tempo, eram, para
mim, o prenúncio da Páscoa. Não havia festa pascal na Quinta sem o adorno dessas flores. Exerciam, sobre os meus olhos,
um fascínio que me levava a contemplá-las , cada manhã da sua
curta existência. Media-lhes o tamanho, a cor e a altivez erecta com que se apresentavam.
Amarelas, vermelhas, lilases, pretas, brancas, azuis resplandeciam em exuberante sequência cromática. Essa profusa
e intensa paleta capturava-me. Todo esse
esplendor se perdeu, quando cresci e me fiz adulta. As tulipas das floristas não tinham qualquer resquício
da beleza fulgurante desse jardim de
infância: o reino encantado da minha mãe. Nem os campos da florida Holanda, com
uma inédita profusão de tulipas, foi capaz de rivalizar ou substituir esse
encanto . A memória teima em corroborar que só na infância me foi possível esse
deslumbramento. Experiência única que permanece inalterável num dos seus
recônditos cantos.
(...)
No Norte, a Páscoa era
uma festa muito celebrada. Não havia aldeia, vilarejo ou cidade que não tivesse
a visita pascal , no Domingo de Páscoa. Era o Compasso que se mantém ainda em muitas zonas nortenhas.
Vivíamos essa época,
com muita alegria e sã vivacidade. Apanhava-nos nas férias pascais. Os dias
escoavam-se entre muita actividade que se nos oferecia ou que engendrávamos. O ar , embora fosse tempo de algum frio, trazia
em si a frescura suave dos dias amenos que a prodigiosa natureza anunciava.
"
Maria José Vieira de
Sousa, in O Livro que já escrevi, pp.81,82, 83
E tal como a Primavera,
a Música faz parte da memória que vem dos tempos idos da infância. Neste
domingo de Páscoa, chegou com Gloria, da Coronation Mass in C major, K.317, de Wolfgang Amadeus Mozart, interpretado gloriosamente por Kathleen Battle, Trudeliese Schmidt, Gösta Winbergh, Ferruccio Furlanetto, Rudolf Scholz e a Wiener Philharmoniker com o Wienerer Singverein, sob a direcção do Maestro Herbert von Karajan,
Era o tempo da Primavera e com ela acordava o jardim numa festa de cor e de fragância. Com sabedoria, E.M. Cioran já afirmara: Se cheirássemos uma rosa até sentir a sua música, que outra marcha fúnebre nos abriria com maior delicadeza uma tumba no céu? E não perde o céu o seu próprio brilho, dissolvido numa melodia que baixa até nós? O jardim era isso: o reino encantado da minha mãe. Perdia-se nele todos os dias. Plantava, semeava, podava e acariciava cada jovem flor que brotava. Quando os canteiros se enchiam de pedúnculos de cujos cálices espreitavam múltiplas e luminosas flores, uma nova música soltava-se para dar início à festa da renovação. Eram jovens e delicadas flores que se abriam aos raios de um Sol ainda avaro, mas pródigo em luz e presença. Entre elas, encantavam-me as tulipas. Eram singulares, majestosas e belas. Havia de todas as cores . Nesse tempo, eram, para mim, o prenúncio da Páscoa. Não havia festa pascal na Quinta sem o adorno dessas flores. Exerciam, sobre os meus olhos, um fascínio que me levava a contemplá-las , cada manhã da sua curta existência. Media-lhes o tamanho, a cor e a altivez erecta com que se apresentavam. Amarelas, vermelhas, lilases, pretas, brancas, azuis resplandeciam em exuberante sequência cromática. Essa profusa e intensa paleta capturava-me. Todo esse esplendor se perdeu, quando cresci e me fiz adulta. As tulipas das floristas não tinham qualquer resquício da beleza fulgurante desse jardim de infância: o reino encantado da minha mãe. Nem os campos da florida Holanda, com uma inédita profusão de tulipas, foi capaz de rivalizar ou substituir esse encanto . A memória teima em corroborar que só na infância me foi possível esse deslumbramento. Experiência única que permanece inalterável num dos seus recônditos cantos.
(...)
No Norte, a Páscoa era uma festa muito celebrada. Não havia aldeia, vilarejo ou cidade que não tivesse a visita pascal , no Domingo de Páscoa. Era o Compasso que se mantém ainda em muitas zonas nortenhas.
Vivíamos essa época, com muita alegria e sã vivacidade. Apanhava-nos nas férias pascais. Os dias escoavam-se entre muita actividade que se nos oferecia ou que engendrávamos. O ar , embora fosse tempo de algum frio, trazia em si a frescura suave dos dias amenos que a prodigiosa natureza anunciava. "
Maria José Vieira de Sousa, in O Livro que já escrevi, pp.81,82, 83
E tal como a Primavera,
a Música faz parte da memória que vem dos tempos idos da infância. Neste
domingo de Páscoa, chegou com Gloria, da Coronation Mass in C major, K.317, de Wolfgang Amadeus Mozart, interpretado gloriosamente por Kathleen Battle, Trudeliese Schmidt, Gösta Winbergh, Ferruccio Furlanetto, Rudolf Scholz e a Wiener Philharmoniker com o Wienerer Singverein, sob a direcção do Maestro Herbert von Karajan,
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