A Actriz
por Oscar Wilde
“Existiu outrora uma grande actriz. Uma mulher
que alcançara tamanhos triunfos que todo o mundo da arte a adorava, curvado a
seus pés.
O incenso da adoração perfumara-lhe a vida por
muitos anos e vedara-lhe os olhos para as outras coisas, de sorte que ela a
nada mais aspirava.
Não obstante, chegou o dia em que conheceu um
homem, a quem amou com toda a força da alma. Então a arte, os triunfos e as
nuvens de incenso nada mais significaram para ela – o amor era toda a sua vida.
Mas embora pensasse assim, o homem que ela amava tornou-se ciumento – ciumento
do público que não mais lhe interessava.
Pediu-lhe que desistisse da sua carreira e
abandonasse o palco para sempre. Ela acedeu sem resistência, e disse:
– O amor é melhor do que a arte, melhor do que
a fama, melhor do que a própria vida.
E logo abandonou alegremente o palco e todos
os triunfos para dedicar sua vida ao homem que amava.
O tempo transcorreu, o amor do homem começou
rapidamente a diminuir e a mulher que tudo havia sacrificado por ele
percebeu-o; a certeza disso caiu-lhe n`alma como a neblina fria do entardecer,
envolvendo-a da cabeça aos pés numa mortalha de desespero. Tratava-se, porém,
de uma mulher corajosa, decidida, e embora com a mágoa estampada no rosto, não
se deixou abater. Compreendeu que teria de sobrepujar a crise da sua vida, a
crise da qual dependia o seu destino.
Com perspicácia e cruel clarividência, sentiu
a realidade que lhe despedaçava o coração. Sacrificara a carreira ao seu amor e
agora este amor fugia-lhe. Se não encontrasse meios para reanimar a chama que
bruxuleava e breve se apagaria totalmente, ficaria solitária nos escombros da sua vida arruinada.
E a mulher, que fora uma grande atriz,
percebera que a sua arte, em vez de ser um estímulo ou uma inspiração nesta
fase penosa da vida, demonstrara o contrário – era desvantagem e obstáculo.
Alheara-se da orientação dos directores de cena e das ideias e conselhos dos
autores. Até então nada fizera sem eles – cada pensamento, cada entoação de
voz e, mesmo, cada gesto era-lhe sugerido, pois esta é a arte do actor. E,
agora, quando se via obrigada a pensar, criar e agir por si mesma, sentia-se
desamparada, sem recursos, como uma criança repentinamente às voltas com um
grande problema. Mas à medida que os dias se passavam, impunha-se cada vez mais
acção pronta e enérgica.
Um dia, quando andava de um lado para o outro,
com o gérmen selvagem do desespero a crescer-lhe no íntimo a cada minuto que
passava, um homem foi vê-la. Fora empresário do teatro onde ela trabalhara.
Viera pedir-lhe que representasse numa nova peça. Ela recusou. Que faria no palco com essa arte falsa que transforma aqueles que a praticam em
fantoches, fantoches irremediáveis, movidos por cordéis manejados pelas mãos
dos autores e directores de cena?
Agora, encontrava-se face a face com a
verdadeira tragédia da vida, ao lado da qual todas as falsas tristezas do palco
nada mais eram senão lantejoulas e bambinelas. Contudo, o empresário insistiu,
dizendo-lhe que a oferta significava dinheiro , zumbindo-lhe em torno
com a persistência de uma mosca no outono, que não quer ser enxotada.
Não quereria pelo menos ler a peça? Para
livrar-se dele, leu-a, e reconheceu que a tragédia impressa era a tragédia da
sua própria vida. A mesma situação: o problema estava resolvido.
O destino viera em auxílio da actriz numa peça
teatral. Devia representá-la dominando inteiramente cada detalhe do enredo.
Estudou, então, a parte que lhe competia e representou-a para um grande auditório.
Actuou com fervor do génio que jamais ultrapassara durante a sua carreira e o
aplauso que retumbou de todos os lados foi a homenagem irresistível tributada
pelos espíritos e corações dos homens àqueles que possuem génio.
Quando tudo chegou ao fim, voltou para
casa fatigada e um tanto surpreendida com os gritos e aplausos da multidão, ainda a ressoar nos ouvidos. Dera-lhe o máximo, pusera-lhe aos pés o poder e a
maravilha da sua alma. Tudo que lhe restava agora era um sentimento de
impotência e fragilidade. Chegara à casa entristecida e carregada de flores.
Repentinamente, observou que havia dois pratos na mesa preparada para a ceia e
lembrou-se de que, nesta noite, fora resolvido o seu destino. Esquecera-o até
então. Naquele momento o homem que ela amara entrou, indagando:
– Cheguei na hora?
Ela olhou para o relógio, e respondeu:
– Chegaste na hora, mas demasiadamente tarde.”
Oscar Wilde, in Contos completos, Edição bilíngue,
Editora Landmark
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