Mar
Mar, circunferência sem par,
Mar, circunferência sem par,
Monumento da morte e da vida inextinguível ,
Macho e fêmea, sol e lua,
Templo do que é podre e infinitamente puro,
Êxtase horizontal!
Mar,
Nas manhãs muito calmas
Passa por ti o fantasma
De todas as infâncias!
21.6.58
Alberto de Lacerda, in Oferenda, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Julho de 1984, p 167
Enalteceu--o na espuma.
Na rebentação das ondas
a trupar na massa escura
dos rochedos , que dão conta
do crepúsculo. Da funda
consumação gloriosa
da tarde onde assenta a escuta.
Depois, o rosa da tarde
foi decaindo, difuso.
Começou a pratear-se
quando as luzes do crepúsculo
iam naufragando quase .
E sucumbiu ao surto
de silêncio. Que nos abre
maior silêncio de estado.
Fernando Echevarría, in Lugar de Estudo, Edições Afrontamento, 2009, p 243
Aquário Silente e impassível
o mar
navega sua beleza
em preguiçosas caudas
e barbatanas velozes,
ilumina-se em translúcidas medusas
e na cromática simetria das escamas.
Refrata a luz e a vida
no remanso submerso das águas,
em seus relicários de pérolas
e no balé itinerante dos cardumes.
Mar, ó mar...
escondeste teus íntimos mistérios
na pressão insuportável dos abismos
nessas paisagens indevassáveis da vida
onde transitam feições primordiais jamais iluminadas.
Abres, contudo, as pálpebras da aurora
e o sol emerge do teu ventre qual fornalha ardente
e na superfície das águas
ilumina tua face absoluta
nesta horizontal extensão do azul
nesta planície sulcada de quilhas e naufrágios
onde se agitam as caudas gigantescas das jubartes
e as asas serenas do albatroz.
Teus brancos litorais abraçam a Terra
desde sempre marejados pelo teu íntimo palpitar.
Tuas marés redesenham os cinturões de areia
e delimitam teu espaço inconquistável.
Os manguezais invadidos retratam teus domínios.
Contra teu furor levantam-se falésias
fiordes verticais e punhais de granito.
Edificas tua linha de recifes,
teus castelos de corais,
cultivas teus jardins de algas e sargaços
onde mandíbulas poderosas,
venenos e descargas fulminantes,
ditam teu código submerso.
Mar, ó mar
transparente beleza de flores e de frutos
território enigmático de vidas e silêncio
abismo onde flutuam os sobreviventes
sudário de todos os náufragos.
Mar azul
chamo-te água absoluta
porque absoluta é a tua sedução
a tua irresistível espuma
a mobilidade do teu ritmo
tua incessante sinfonia
teu eloqüente silêncio.
E contudo...
diante do etérico oceano...
diante dessas deslumbrantes ilhas estelares...
tu és apenas um úmido ponto no infinito
um aquoso respingo
minúsculo aquário
um minuto ondulante na eternidade
há bilhões de anos se espraiando
nessa gota salgada suspensa no universo.
Curitiba, março de 2004
Manoel de Andrade, in Cantares, Escrituras Editora , 2007, São Paulo, Brasil, pp. 30-32
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