sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

CENTENÁRIOS


Centenários 
por Eugénio Lisboa

Recordar: Do latim “re-cordis”,
voltar a passar pelo coração.
       Eduardo Galeano

O que foi perdido pode, entretanto,
viver na nossa memória.
      Christopher Paolini, EREGON

"Notámos já, neste mesmo espaço, a gulosa precipitação com que se está a começar a celebrar um centenário que só se consuma de aqui a um ano. Provincianamente, pomos os trunfos todos no cesto de um Prémio Nobel, idolatrando, deslumbrados, como selvagens, um ídolo com pés de barro: o galardão sueco, alvo de uma luta parola em que, durante anos, se engalfinharam dois escritores portugueses. Para gáudio e alimento de uma comunicação social que tanto alento tem dado à fofoquice, mesmo pacóvia.
Entretanto, ignorou-se quase por completo e, em muitos casos, por completo, centenários que passam neste ano quase findo, de figuras da nossa cultura, com notoriedade suficiente para serem lembradas, nem que fosse discretamente. A idade intelectualmente adulta de um povo mede-se também pela sua capacidade de não esquecer quem, com muita dignidade, contribuiu para acrescentar o nosso património cultural. As envergonhadamente discretíssimas sinalizações que tiveram lugar dentro dos muros de uma ou outra universidade nada têm que ver com uma chamada a público nos grandes periódicos de referência ou mesmo nas televisões. Lembrarei, por ordem cronológica, alguns nomes que teria sido bonito não esquecer, fugindo àquele jogo muito mundano e radical, que consiste em afirmar que, num século, só ficarão dois ou três nomes. É muito “chic” dizê-lo, mas até não costuma ser verdade. Como disse, num ou noutro caso, o nome aqui lembrado teve um aceno envergonhado e quase pedindo desculpa, mas o público, em geral, não deu por nada.

1) – MÁRIO BRAGA (1921 – 2016) – Foi Director-Geral da Secretaria de Estado da Comunicação Social, Membro do Conselho Consultivo das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian. Foi dramaturgo e, sobretudo, um apreciadíssimo contista, autor, por exemplo, destas colectâneas: SERRANOS, QUATRO REIS, LIVRO DAS SOMBRAS, CORPO AUSENTE. Como Director-Geral da Sec. de Est. da Comunicação social, fez, no início da nossa democracia, um porfiadíssimo trabalho, propiciando aos promotores da nossa diplomacia cultural, inestimáveis ferramentas.

2) – JORGE BORGES DE MACEDO (1921 – 1996) – Historiador e Professor, deixou vasta e importante bibliografia. Só alguns poucos títulos: A SITUAÇÃO ECONÓMICA NO TEMPO  DE POMBAL (1951); HISTÓRIA DIPLOMÁTICA PORTUGUESA. CONSTANTES E LINHAS DE FORÇA. ESTUDO DE GEOPOLÍTICA; OS LUSÍADAS E A HISTÓRA; CONSTANTES DA HISTÓRIA DE PORTUGAL.

3) – LEONEL NEVES (1921 – 1996) – Meteorologista e escritor, discretíssimo e não frequentador da feira literária, deixou-nos belíssimas adições ao nosso cânone lírico: JANELA ABERTA (1940); NATURAL DO ALGARVE (1968); ONTEM À NOITE (1989); MEMÓRIA DE TIMOR-LESTE (1990).
Deixou também livros para crianças e para jovens. Como poeta, merece bem ser lembrado, pela autenticidade de uma fina sensibilidade veiculada por uma notável oficina poética.

4) -  AMÉRICO DA COSTA RAMALHO (1921 – 2013) – Grande humanista, distinguiu-se como latinista, helenista e lusitanista. Foi Professor Catedrático da Universidade de Coimbra. Deixou uma vasta e importante bibliografia, de que assinalamos apenas alguns títulos: ALGUNS ASPECTOS DO CÓMICO VICENTINO (1973); ESTUDOS SOBRE O SÉCULO XVI (1980); ALGUNS ASPECTOS DA LEITURA CAMONEANA DE VIRGÍLIO (1986); ESTUDOS SOBRE A ÉPOCA DO RENASCIMENTO (1987); PARA A HISTÓRIA DO HUMANISMO EM PORTUGAL (1988); CAMÕES   NO SEU TEMPO E NO NOSSO (1992); LATIM RENASCENTISTA EM PORTUGAL (1994).

5) - VÍTOR DE SÁ (1921 – 2004) – Foi historiador, Professor universitário e activista político contra o Estado Novo, de formação marxista. Doutorou-se em Paris, na Sorbonne, em 1969, com uma tese sobre A CRISE DO LIBERALISMO E AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DAS IDEIAS SOCIALISTAS.

6) - ARQUIMEDES DA SILVA SANTOS (1921 - 2019) – Figura importante do movimento neorrealista, formou-se em medicina, fez o curso de Ciências Pedagógicas e especializou-se em neuropsiquiatria infantil.
Obras: POESIA: VOZ VELADA (1958); CANTOS CATIVOS (1967), ENSAIO CIENTÍFICO:  LE VOL CHEZ LE GARÇON: CONTRIBUTION À L’ÉTUDE DE LA DÉLINQUANCE JUVÉNILE, Paris (1963).

7) - ANTUNES DA SILVA (1921 – 1997) – Nasceu e faleceu em Évora. Escritor neorrealista, deixou várias obras, entre as quais: VILA ADORMECIDA (1948); O APRENDIZ DE LADRÃO (1954); O AMIGO DAS TEMPESTADES (1958); SUÃO (1960); DIÁRIO I (1987); DIÁRIO II (1990).

8) - ERNESTO DE SOUSA (1921 – 1988) -  Fotógrafo, cineasta, crítico de arte, foi fundador do movimento cineclubista. Foi, com o filme DOM ROBERTO (1962), um dos fundadores do chamado NOVO CINEMA.

9) - NEVES E SOUSA (1921 – 1995) – Poeta e pintor português, foi muito cedo viver para Angola, de onde só saiu para o Brasil, em 1975. A sua obra reflecte muito a temática africana, tendo-se tornado conhecidas as suas abundantes QUEIMADAS. POESIA: MOTIVOS ANGOLANOS (1946); MOHAMBA.

10) - FRANCISCO JOSÉ TENREIRO (1921 – 1963) – Poeta e geógrafo. Foi aluno excepcional do Professor Orlando Ribeiro, que o estimulou a doutorar-se com uma dissertação sobre a Ilha de S. Tomé, de onde era original e onde veio a falecer. POESIA: ILHA DO NOME SANTO (1942); CORAÇÂO EM ÁFRICA (1962).

11) - CARLOS DE OLIVEIRA (1921 – 1971) – Ligado inicialmente ao neorrealismo, este escritor notabilizou-se na poesia e na ficção. Nesta última, com o romance FINISTERRA (1978), desviar-se-ia determinadamente do protocolo neorrealista, visando, malavisadamente, um público universitário, mais interessado, frequentemente, em “estudar” obras do que em fruí-las. O romance é de uma opacidade visada, conseguida e desnecessária. Mas deixou um acervo de romances notáveis: CASA NA DUNA (1943); ALCATEIA (1944); PEQUENOS BURGUESES (1948); UMA ABELHA NA CHUVA (1953). POESIA: MÃE POBRE (1945); COLHEITA PERDIDA (1948); TERRA HARMONIOSA (1960); CANTATA (1960); MICROPAISAGEM (1968); SOBRE O OMBRO ESQUERDO (1968); ENTRE DUAS MEMÓRIAS (1971); PASTORAL (1977).

12) - NATÁLIA NUNES (1921 – 2018) – Notável romancista, feminista e corajosa antifascista, esta lindíssima mulher foi casada com o poeta António Gedeão e deixou-nos, entre outras, as seguintes obras, nas áreas do memorialismo e da ficção: AUTOBIOGRAFIA DE UMA MULHERB ROMÂNTICA (1955); A MOSCA VERDE E OUTROS CONTOS (1957); ASSEMBLEIA DE MULHERES (1964); O CASO ZULMIRA L. (1967); AS VELHAS SENHORAS E OUTROS CONTOS (1992)."

Eugénio Lisboa, 02.12.2021

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