Em primeiro lugar eu escrevo para existir, eu escrevo para mim. Eu existo no mundo e a minha existência repete-se nas outras pessoas.
Paulina Chiziane
"Nem me
lembrava que o prémio existia", diz Paulina Chiziane
por Lusa, /DN
A vencedora do Prémio
Camões 2021, autora de "Balada de Amor ao Vento" e "Ventos do
Apocalipse", dedicou a distinção às mulheres.
A escritora moçambicana
Paulina Chiziane é a vencedora do Prémio Camões 2021, numa escolha feita por
unanimidade, anunciou esta quarta-feira a ministra portuguesa da Cultura, Graça
Fonseca.
"No seguimento da reunião do júri
da 33.ª edição do Prémio Camões, que decorreu no dia 20 de outubro, a ministra
da Cultura anuncia que o Prémio Camões 2021 foi atribuído à escritora
moçambicana Paulina Chiziane", lê-se na nota informativa divulgada esta
quarta-feira.
Em declarações à agência Lusa, Paulina
Chiziane deixou uma dedicatória muito especial: "Afinal a mulher tem uma
alma grande e tem uma grande mensagem para dar ao mundo. Este prémio serve para
despertar as mulheres e fazê-las sentir o poder que têm por dentro."
Chiziane foi a primeira mulher a
publicar um romance em Moçambique, com "Balada de amor ao vento", em
1990. "Quando eu comecei a escrever, ninguém acreditava naquilo
que eu fazia. Porque eram escritos de mulher", referiu, numa alusão à
temática do género, um dos fios condutores da sua obra.
Paulina Chiziane, 66 anos,
confessou-se confusa com a notícia do prémio. "Eu nem sequer me
lembrava que o prémio Camões existia", porque os confinamentos provocados
pela covid-19 deixaram-na "bem fechada em casa, desligada de tudo".
O prémio surgiu como uma surpresa
bem-vinda. "Uma surpresa muito boa para mim, para o meu povo, para
a minha gente", que em África escreve "o português, aprendido de
Portugal". "E eu sempre achei que o meu português não merecia
tão alto patamar. Estou emocionada", acrescentou.
O seu último trabalho foi "A voz
do cárcere" escrito em conjunto com Dionísio Bahule, lançado este ano, em
Maputo, depois de ambos entrarem nas prisões e ouvirem os reclusos - ela a
escutar as mulheres, ele, os homens. "Há tantas ideias", disse à Lusa
sobre o futuro, ideias que "nem sempre o corpo consegue realizar".
Mas pode ser que "este prémio
seja um motor para eu me sentir um pouco mais de pé, porque às vezes fico
cansada", seja pela idade, referiu, ou pelo impacto "da covid, que
impede tudo",
disse, numa alusão à pandemia.
Paulina Chiziane disse que o Prémio
Camões pode ser "um alento novo", um símbolo que de que a sua
caminhada "valeu a pena" e de que "é preciso continuar a
lutar".
Prémio atribuído por unanimidade
"O júri decidiu por unanimidade
atribuir o Prémio à escritora moçambicana Paulina Chiziane, destacando a sua
vasta produção e receção crítica, bem como o reconhecimento académico e
institucional da sua obra", pode ler-se na nota.
O júri referiu também a importância
que dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana. O
júri sublinhou o seu trabalho recente de aproximação aos jovens, nomeadamente
na construção de pontes entre a literatura e outras artes.
Paulina Chiziane "está traduzida
em muitos países, e é hoje uma das vozes da ficção africana mais conhecidas
internacionalmente, tendo já recebido vários prémios e condecorações",
conclui-se na mensagem.
Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze,
Moçambique, em 1955. Estudou Linguística em Maputo. Atualmente, vive e trabalha
na Zambézia.
Ficcionista, publicou vários contos na
imprensa.
Publicou o seu primeiro romance,
"Balada de Amor ao Vento" (1990), depois da independência do país,
que é também o primeiro romance de uma mulher moçambicana.
"Ventos do Apocalipse",
concluído em 1991, saiu em Maputo, em 1993, como edição da autora e foi
publicado em Portugal, pela Caminho, em 1999, antecedendo a publicação de
"Balada de Amor ao Vento", em Portugal, pela mesma editora, em 2003.
A Caminho possui aliás os títulos da
autora publicados em Portugal: "Sétimo Juramento" (2000),
"Niketche: Uma História de Poligamia" (2002), "O Alegre Canto da
Perdiz" (2008).
Da sua obra fazem igualmente parte
"As Andorinhas" (2009), "Na mão de Deus" e "Por Quem
Vibram os Tambores do Além" (2013), "Ngoma Yethu: O curandeiro e o
Novo Testamento" (2015), "O Canto dos Escravos" (2017), "O
Curandeiro e o Novo Testamento" (2018).
O júri da 33.ª edição do Prémio Camões
foi constituído pelos professores universitários Ana Martinho e Carlos Mendes
de Sousa (Portugal), pelo escritor e investigador Jorge Alves de Lima e pelo
professor universitário Raul César Fernandes (Brasil), e pelos escritores Tony
Tcheka (Guiné-Bissau) e Teresa Manjate (Moçambique).
No Brasil, está editada apenas a obra
"Niketche: Uma História de Poligamia".
O Prémio Camões de literatura em
língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil, com o objetivo de
distinguir um autor "cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento
do património literário e cultural da língua comum".
Segundo o texto do protocolo
constituinte, assinado em Brasília, em 22 de Junho de 1988, e publicado em Novembro do mesmo ano, o prémio consagra anualmente "um autor de língua
portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".
Foi atribuído pela primeira vez, em
1989, ao escritor Miguel Torga.
Em 2019, o prémio distinguiu o músico
e escritor brasileiro Chico Buarque, autor de "Leite Derramado" e
"Budapeste", entre outras obras; em 2020, o professor e ensaísta
português Vitor Aguiar e Silva.
Portugal e Brasil lideram a lista de
distinguidos com o Prémio Camões, com 13 premiados cada, seguindo-se
Moçambique, agora com três laureados, Cabo Verde, com dois, mais um autor
angolano e outro luso-angolano.
A história do galardão conta apenas
com uma recusa, exactamente a do luso-angolano Luandino Vieira, em 2006.
Editor garante que Chiziane vai honrar
o prémio
O editor Zeferino Coelho garantiu
que Paulina Chiziane "vai honrar" o galardão, referindo que "já
tardava" o reconhecimento da autora de "Niketche".
"É uma honra para a escritora que
vai honrar" o galardão, disse o responsável da editorial Caminho , que tem
publicado em Portugal a obra da escritora moçambicana.
Zeferino Coelho, em declarações à
agência Lusa, disse que a escritora foi alvo "de preconceitos literários e
de género", mas não afectou o seu reconhecimento pelos leitores, dadas as
regulares reedições da sua obra, nomeadamente do romance "Niketche: Uma
História de Poligamia" (2002).
A Editorial Caminho conta reeditar as
suas obras, "como o tem feito", mas não tem previsto nenhum novo título.
"Paulina Chiziane é uma grande escritora que vai ficar na literatura
moçambicana e na de língua portuguesa", asseverou Zeferino Coelho, que
manifestou o seu contentamento pela distinção.
Os 33 distinguidos
Portugal e Brasil lideram a lista de
distinguidos com o Prémio Camões, com 13 premiados cada, seguindo-se
Moçambique, com três laureados, Cabo Verde, com dois laureados, e Angola, com
Pepetela, mais o lusoangolano Luandino Vieira.
A escritora Paulina Chiziane,
vencedora da edição deste ano, que nasceu em Manjacaze, Moçambique, em 1955,
sucede aos autores moçambicanos José Craveirinha (1991) e Mia Couto (2013).
A lista completa:
1989 -- Miguel Torga, Portugal
1990 -- João Cabral de Melo Neto,
Brasil
1991 -- José Craveirinha, Moçambique
1992 -- Vergílio Ferreira, Portugal
1993 -- Rachel Queiroz, Brasil
1994 -- Jorge Amado, Brasil
1995 -- José Saramago, Portugal
1996 -- Eduardo Lourenço, Portugal
1997 -- Pepetela, Angola
1998 -- António Cândido de Mello e
Sousa, Brasil
1999 -- Sophia de Mello Breyner
Andresen, Portugal
2000 -- Autran Dourado, Brasil
2001 -- Eugénio de Andrade, Portugal
2002 - Maria Velho da Costa, Portugal
2003 -- Rubem Fonseca, Brasil
2004 -- Agustina Bessa-Luís, Portugal
2005 -- Lygia Fagundes Telles, Brasil
2006 -- José Luandino Vieira,
Portugal/Angola
2007 -- António Lobo Antunes, Portugal
2008 -- João Ubaldo Ribeiro, Brasil
2009 -- Arménio Vieira, Cabo Verde
2010 -- Ferreira Gullar, Brasil
2011 -- Manuel António Pina, Portugal
2012 -- Dalton Trevisan, Brasil
2013 - Mia Couto, Moçambique
2014 - Alberto da Costa e Silva,
Brasil
2015 - Hélia Correia, Portugal
2016 - Raduan Nassar, Brasil
2017 - Manuel Alegre, Portugal
2018 - Germano Almeida, Cabo Verde
2019 - Chico Buarque, Brasil
2020 - Vítor Aguiar e Silva, Portugal
2021 - Paulina Chiziane, Moçambique
Saiba mais:
ONU News · Entrevista - Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões
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